domingo, 22 de agosto de 2010

Mário Faustino


O HOMEM E SUA HORA


Et in saecula saeculorum: mas
Que século, este século - que ano
Mais-que-bissexto, este -
Ai, estações -
Esta estação não é das chuvas, quando
Os frutos se preparam, nem das secas,
Quando os pomos preclaros se oferecem.
(Nem podemos chamá-la primavera,
Verão, outono, inverno, coisas que
Profundamente, Herói, desconhecemos...)
Esta é outra estação, é quando os frutos
Apodrecem e com eles quem os come.
Eis a Quinta estação, quando um mês tomba,
O décimo-terceiro, o Mais-Que-Agosto,
Como este dia é mais que Sexta-feira
E a Hora mais que Sexta e roxa.
Aqui,
Sábia sombra de João, fumo sacro de Febo,
Venho a Delfos e Patmos consultar-vos,
Vós que sabeis que conjunções de agouros
E astros forma esta Hora, que soturnos
Vôos de asas pressagas este instante.
Nox ruit, Aenea, tudo se acumula
Contra nós, no horizonte. As velas que ontem
Acendemos ou brancas enfunamos
O vento apaga e empurra para o abismo.
As cidades que erguemos, nós e nossos
Serenos ascendentes se arruinam
(Muros que escravos levantamos, campos
Ubi Troja - Nossa Tróia, Tróia! - fruit ...)
E no céu onde a noite rui só vemos
Pálidos anjos, livros e balanças,
Candelabros, cavalos, crocodilos
Vomitando tranqüilos cogumelos
Róseos de sangue e lava - bestas, bestas
Aladas pairam, à hora de o futuro
Fazer-se flama, e a nuvem derreter-se
Em cinza presente.- Vê, em torno
De mesas tortas jogam meus sonâmbulos,
Meus líderes, meus deuses. Como ocultam
As cartas limpas, como atiram negros
Naipes no vale glauco de meu sonho!
Erza, trazem mais putas para Elêusis
E hoje Amatonte é todo o vasto mundo:
Prostitutas sagradas! - Se esta carne
Demais sólida pudesse dissolver-se,
Derreter-se e em rocio transformar-se!
Príncipe louro, oh náusea, proibição
Do mais ilustre amor, oh permissão,
Oh propaganda santa do mais rude!
L'amor che move il sole e l'altre stelle
Aqui parou, em ponto morto. Nem
Cometas hoje aciona, ou gestos de
Ternura move rumo aos eixos trêmulos
De seres enlaçados; nem desperta
Encantados centauros de seu sono.
Amor represo em ritos e remorsos,
Eros defunto e desalado. Eros!
(...)
Aqui devo deixar-te, Herói. Retiro-me
Para uma ilha, Chipre, onde nascido
Outrora fui, onde erguerei não uma
Turris ebúrnea, torre inversa, torre
Subterrânea, defesa contra as pombas
Cobálticas, columbas de outro Espírito -
Torre abolida! No marfim que leves
Lunares unicórnios cumularam
Em cemitérios amorosos, eu,
Pigmalion, talharei a nova estátua:
Estátua de marfim, cândida estátua,
Mulher primeira, fêmea de ar, de terra,
De água, de fogo - Hephaistos, sobe, ajuda-me
A compor essa estátua; fácil corpo
Difícil Face, Santa Face - falta
O sopro acendedor de tua esperta
Inspiração... à noite, enquanto durmo,
128 Cava-lhe, oh coxo, o gesto e o peito, pede
À deusa tua esposa dê-lhe quantos
Encantos pendem de seu cinto. Phanos,
Phanos, imagens de beleza, chagas
Na memória dos homens... pede a Hermes
Idéias que asas gerem nos tendões
Das palavras certeiras - logos, logos
Carregando de força os sons vazios -
Dá-lhe tu mesmo, Fabro, o mel, a voz
Densa, eficaz, dourada, melopaico
Néctar de sete cordas, musical
Pandora de salvar, não de perder...
Orfeu retesa a lira e solta o pássaro.
Pronta esta estátua, agora, os deuses e eu
Miramos o milagre: branca estátua
De leite, gala, Galatéia, límpida
Contrafação de canto e eternidade ...
(...)
Vai, estátua, levar ao dicionário
A paz entre as palavras conflagradas.
Ensina cada infante a discursar
Exata, ardente, claramente: nomes
Em paz com suas coisas, verbos em
Paz com o baile das coisas, oradores
Em paz com seus ouvintes, alvas páginas
Em paz com os planos atros do universo -
(...)
Vênus fará de teu marfim fecunda
Carne que tomarei por fêmea, carne
Feita de verbo, cara carne, mãe
de Paphos, filho nosso, que outra ilha
Fundará, consagrada a tua música,
Teu pensamento, paisagem tua.
Ilha sonora e redolente, cheia
De pios templos, cujos sacerdotes
Repetirão a cada aurora (hrodo,
Hrododaktulos Eos, brododaktulos!)
Que Santo, Santo, Santo é o Ser Humano
Flecha partindo atrás de flecha eterna -
Agora e sempre, sempre, nunc et semper...

Um comentário:

livia soares disse...

Grande lembrança esta de nos brindar com um poema de Mario Faustino.
Você está sempre a nos trazer algo de estimulante neste espaço.
Um abraço.