segunda-feira, 26 de março de 2012

Bertold Brecht - poemas

A árvore em fogo

Na tênue névoa vermelha da noite
Víamos as chamas, rubras, oblíquas
Batendo em ondas contra o céu escuro.
No campo em morna quietude
Crepitando
Queimava uma árvore.
Para cima estendiam-se os ramos, de medo estarrecidos
Negros, rodeados de centelhas
De chuva vermelha.
Através da névoa rebentava o fogo.
Apavorantes dançavam as folhas secas
Selvagens, jubilantes, para cair como cinzas
Zombando, em volta do velho tronco.
Mas tranqüila, iluminando forte a noite
Como um gigante cansado à beira da morte
Nobre, porém em sua miséria
Esguia-se a árvore em fogo.
E subitamente estira os ramos negros, rijos
A chama púrpura a percorre inteira -
Por um instante fica erguida contra o céu escuro
E então, rodeada de centelhas
Desaba.

Poema ao poeta banido

Quando penetrou em sonho
Na cabana dos poetas banidos, vizinha
À cabana dos mestres banidos (de onde
Ouviu briga e gargalhada), veio-lhe ao encontro
Ovídio, e disse-lhe a meia voz:
“Melhor não sentares. Ainda não morreste. Quem sabe
Ainda não retornas? E sem que nada mude
Senão tu mesmo.” Porém, consolo nos olhos
Aproximou-se Po Chu-yi e disse sorridente: “O rigor
Fez por merecer todo aquele que uma só vez deu nome à
injustiça.”
E seu amigo Tu-fu disse suave: “Compreendes, o desterro
Não é o lugar onde se desaprende o orgulho.” Mas, mais terreno
Interpôs-se o maltrapilho Villon, e perguntou: “Quantas
Portas tem a casa onde moras?” E tomou-o Dante pelo braço
E levando-o para o lado murmurou: “Teus versos
Estão cheios de erros, amigo, considera
Quem está contra ti!” E Voltaire berrou de lá:
“Cuida dos tostões, senão te matam de fome!”
“E usa gracejos!”, gritou Heine. “Não ajuda”,
Esbravejou Shakespeare, “Quando veio Jacó
Também eu não pude mais escrever.” – “Se houver processo
Toma um patife como advogado!” Aconselhou Eurípedes
“Pois ele conhece os furos nas malhas da lei.” A gargalhada
Ainda soava, quando do canto mais escuro
Veio um grito: “Escuta, sabem eles também
Os teus versos de cor? E eles que sabem
Escaparão à perseguição?” – “Estes são
Os esquecidos”, disse Dante em voz baixa
“Foram-lhes destruídos não só os corpos, mas também as
obras.”
A gargalhada cessou. Ninguém ousou olhar na direção. O
recém-chegado
Empalideceu.

A Troca da Roda

Estou sentado á beira da estrada,
o condutor muda a roda.
Não me agrada o lugar de onde venho.
Não me agrada o lugar para onde vou.
Por que olho a troca da roda
com impaciência?


Se fôssemos infinitos

Tudo mudaria.
Como somos finitos
Muito permanece.


Brecht Bertold – Poemas 1913-1956; seleção e tradução de Paulo César de Souza – São Paulo: Ed. 34, 2000.

domingo, 11 de março de 2012

Octavio Paz

Conversar


                             Octávio paz


Em um poema leio:
Conversar é divino.
Mas os deuses não falam:
fazem, desfazem mundos
enquanto os homens falam.
Os deuses, sem palavras,
jogam jogos terríveis.

O espírito baixa
e desata as línguas
mas não diz palavra:
diz luz. A linguagem
pelo deus acesa,
é uma profecia
de chamas e um desplume
de sílabas queimadas:
cinza sem sentido.

A palavra do homem
é filha da morte.
Falamos porque somos
mortais: as palavras
não são signos, são anos.
Ao dizer o que dizem
os nomes que dizemos
dizem tempo: nos dizem,
somos nomes do tempo.
Conversar é humano.


(Trad. Antônio Moura)

terça-feira, 6 de março de 2012

Bertold Brecht

Se os Tubarões Fossem Homens


Bertold Brecht

Se os tubarões fossem homens, eles seriam mais gentís com os peixes pequenos. Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais. Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre renovada e adotariam todas as providências sanitárias cabíveis se por exemplo um peixinho ferisse a barbatana, imediatamente ele faria uma atadura a fim de que não moressem antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam cá e lá uma festa aquática, pois os peixes alegres tem gosto melhor que os tristonhos.

Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a guela dos tubarões. Eles aprenderiam, por exemplo a usar a geografia, a fim de encontrar os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí. Aula principal seria naturalmente a formação moral dos peixinhos. Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos. Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência. Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista. E denunciaria imediatamente os tubarões se qualquer deles manifestasse essas inclinações.

Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre si a fim de conquistar caixas de peixes e peixinhos estrangeiros.As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos. Eles ensinariam os peixinhos que, entre os peixinhos e outros tubarões existem gigantescas diferenças. Eles anunciariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que entendam um ao outro. Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos inimigos da outra língua silenciosos, seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói.

Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, haveria belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas guelas seriam representadas como inocentes parques de recreio, nas quais se poderia brincar magnificamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as guelas dos tubarões.A música seria tão bela, tão bela, que os peixinhos sob seus acordes e a orquestra na frente, entrariam em massa para as guelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos. Também haveria uma religião ali.

Se os tubarões fossem homens, eles ensinariam essa religião. E só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida. Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros. Os que fossem um pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões, pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar. E os peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiros da construção de caixas e assim por diante. Curto e grosso, só então haveria civilização no mar, se os tubarões fossem homens.