segunda-feira, 25 de agosto de 2014

O arquiteto, o menino e a janela

Da janela vê-se o Corcovado
                                      O Redentor que lindo
                                                    Tom Jobim



A cidade é feita do conflito.
E se um menino, morador em um morro de nossa cidade, tivesse a parede de sua casa perfurada por uma bala? Como qualquer criança, se oorifício permitisse —  e é bem possível que isso ocorra hoje, com o armamento pesado utilizado nas verdadeiras batalhas travadas nas nossas cidades —  , ele encostaria, curioso, seus olhos naquele buraco para ver o que aquela luz trazia  —  uma imagem  visível do lado de fora de sua casa.
Ouvi Paulo Mendes da Rocha, o celebrado arquiteto capixaba, dizer que na música de Tom Jobim, Corcovado, o importante não é o Cristo Redentor visível, com toda sua potência de Ídolo maior, abrindo os braços sobre a cidade;o importante é a janela que possibilita essa visão. Eis um olhar que aproxima oarquiteto do poeta Carlos Drummond de Andrade.
Mas e o nosso menino, que olhou através daquela pequena “janela” tardia, não incluída no projeto inicial de sua casa, uma “janela” construída de fora para dentro, feita por um autor anônimo ou não, aleatória, que quase lhe custou a vida? O que ele poderia dizer ou pensar? Poderíamos trabalhar com probabilidades.
Primeiro caberia saber se era o primeiro ou apenas mais um buraco oriundo do conflito urbano. Fosse o primeiro, e o menino olhasse, talvez visse apenas a parede contrária de um beco, uma vida a transcorrer como se nada tivesse ocorrido, pessoas correndo, pessoas chorando, pessoas subindo e descendo em suas jornadas de Sísifo. Agora, e se o menino nos surpreendesse,  e sentisse uma brisa ligeira a tocar-lhe o rosto, e ouvisse um barulho de bola rolando no quintal do amigo ou desse um enigmático sorriso ao observar que, caprichosamente, o buraco estava em um local privilegiado para  vigiar o amadurecimento das goiabas do vizinho?
O passado nos ensina que vivemos e viemos do conflito, disse Paulo Mendes da Rocha. A cidade se faz de conflitos, e triste daqueles nãoatentos para esta verdade. O amar, o odiar, o querer ser desejado, o desejar sem limites. Um aglomerado de desejos e insatisfações. E tentamos ignorar isso tudo.
Que seja única a janela do menino. Não abusemos das probabilidades estatísticas. Não sejamos hipócritas de fazer do caos urbano um simples poema.
Não basta tampar o buraco na parede, o sol com a peneira, ou seja lá que ditado popular venhamos a pensar.
Na verdade, o menino mora em uma casa, tem uma família e suas dificuldades inerentes aos desvios e desigualdades sociais. O que o meninoprecisa é de uma janela que abra de dentro para fora, que tenha um trinco – é verdade – mas que, quando aberta, sem esforço, o menino possa ver no sem-sentido da vida algo que emociona e o faça crescer como Homem.