segunda-feira, 28 de julho de 2014

PARA AS CRIANÇAS DE GAZA

A revolução dos anjos


As mãos se encontraram
e da força fez-se
                       a escuridão

Pássaros perderam-se na noite
mas não tinha sentido voar
― caminho ―
              nenhum ―.

(O vasto pertence aos
        indomáveis
e a suas lágrimas).

As mãos se encontraram
com a força que subsistia no silêncio
e estenderam sobre o anjo
suas asas
               tombadas.

 Parque das Hortênsias 26-07-14


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 Sorriso da inocência


Pousaram para a fotografia
         as crianças.

Estavam quietas
despojadas
sob o Sol da tarde
Sem pressa
não lhes ocorriam mais brincadeiras 

Foto para guardar
        ― lembrança ―

Olhinhos ausentes
a fitar a história

E fez-se um frio
          despido

de qualquer certeza.

Vitória, 26 de julho de 2014


terça-feira, 22 de julho de 2014

TRILOGIA PARA GAZA - Jorge Elias Neto


Céu de bombas
                            

Não interrompam o cotidiano das serpentes.
Elas não buscam no homem seu veneno.


Por que choras por mim, meu pai?

Cumpri com o que me coube
nessa Gaza de feras.

Em cada criança morta, sacrificada,
um objetivo insano.

Despeço-me do dia
sob flashs e bombas.

Uma fome doentia
molhou teu corpo com meu sangue.

Estrelas dos profetas cruzaram os céus
e pulverizaram os créditos de minha infância.

A ambição de poder comeu meu destino.
Com a força, roubaram-me o sorriso.

Meu pai, nem sei perguntar por quê.
Não tive tempo de me nutrir de ódio.

Pensando bem, pai,
que as lágrimas partam.

Transpareça a indignação em teu rosto
nas telas indiferentes do Mundo.

Sobretudo crê, pai,
crê no triunfo do olhar de tua filha,
fosco de morte,
voltado para esse lindo céu,
reluzente de bombas,
nessa noite de um domingo de fúria.


A praça

Estaria reservado no escaninho dos deuses
tão impensada tormenta?

Movimento primevo:
revoada dos pombos.

Quebrado o instante,
brancas penas restaram na praça.

Crianças absortas,
festejando o dia,
imaginaram dragões e fadas.

Anciões se entreolharam
e cismaram com o céu...

Ato contínuo:
zunido, estrondo,
perplexidade.

Malfadado encontro:
pó e silêncio.

Os primeiros gritos,
embotados pela poeira do subentendido.

O som antecipou
a imagem suspeitada.

Fez-se a desolação
nos rostos que se ergueram.

Os primeiros gestos, lentos,
não acompanharam o frenesi do pensamento.

Desespero.

– Como é possível
minar tanta água
desses rostos de areia?


Coube ao acaso
a seleção dos fortes
(que recolheram os corpos).

Ao poema cabe
despejar sobre o chão,
e na cara dos facínoras,
uma resma de dúvidas.

De algum ponto,
cabe o recomeço.

Sonhos no absurdo

                                                                            Não tirem do poeta a visão;
podem condená-lo à loucura
do mergulho no poema sem fim.
I

O poeta sabe a textura exata do sonho.

E por perceber que os números são símbolos
que poderiam arrastar seu povo,
foi o primeiro a se equilibrar nos destroços.

Não azulava as dúvidas com preces
e entendia a sujeira como um vício da realidade.

Caminhando em silêncio,
observou que a ausência de espaço
não havia poupado nem mesmo as sombras.

Homens desencontrados
cruzaram o limite da incerteza
e bradavam:

– Não pedi esse conflito.
Mas, na dúvida,
deixo a arma engatilhada!

Nunca foi do poeta o primeiro momento...
II

Aos primeiros que o ouviram disse:
– Se abuso daqui à esquina de minha casa,
perco o controle do dia.

– A vida é ritual de pontes.
Vejo triste que, entre o dito e o pensado,
ficou uma ponte tombada.

– Hoje massacraram nossas verdades,
e enxergamos o abismo.

Choraram juntos a mais temida das mortes.


III


O poeta sente o absurdo do tempo humano.

            O homem aquietará.
            E juntos, todos os ponteiros
            deixarão  de ter sentido.

É do homem buscar refúgio nos dias.



IV

Nos escombros,
na esquina antes sem luz,
sentaram  as crianças.

Diante delas
o poeta circundou com o dedo
seu corpo na areia.

Com um salto
surpreendeu-as com a facilidade
que superou o limite de sua prisão.

O poeta percebe o momento exato do nascimento do sonho.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Um dia após o dilúvio - Brasil e Alemanha

Um dia após o dilúvio
                             Jorge Elias Neto


“Ninguém segura a juventude do Brasil”...
Assim terminava uma das canções tocadas nas rádios, em tempos de ditadura militar, para enaltecer o escrete de 70 e amainar os ânimos dos brasileiros. Águas passadas... Época do então falado “Milagre econômico”. Sérgio Buarque de Hollanda ainda não tinha dito da morte do homem cordial, nem Chico, o nosso Chico, havia pedido  que o Pai afastasse o cálice com vinho tinto de sangue.
O Brasil já não é mais jovem, a pirâmide demográfica de ápice pontiagudo já não existe. Estamos mais velhos, o homem cordial já morreu e esboçamos uma certa indignação; mas insistimos no improviso e não investimos em educação e saúde como devíamos.
Águas passadas... Ontem, durante o jogo do Brasil, e eu estava LÁ, ouvia-se uma paródia do grito da torcida alemã: “Mil gols, mil gols, só Pelé, só Pelé...” Mais uma tentativa de se buscar uma música tema para a seleção. Faltou tanta criatividade que a copa acabou para nós e não se conseguiu uma música que representasse a seleção de 2014. Enaltecer Pelé, maravilha... Ironizar com o Maradona... Impossível evitar...  Mas, de súbito, veio a tempestade – e passou o sonho levado pelas águas.
Um alemão sexagenário, sentado ao meu lado, após os seis minutos fatídicos - a enxurrada de gols da equipe alemã -, me perguntou, tampando os olhos – expressando espanto – o que estava acontecendo com o Brasil. Não soube responder, eu precisava pensar, e o torcedor de plantão só me permitia o estarrecimento.
E já que futebol é crença, a torcida ensaiou um “eu acredito, eu acredito”. Mas foi se apagando a voz dos brasileiros no estádio, pois não se podia mais esperar o milagre.
Seca em São Paulo, enchente no Sul, dilúvio no Mineirão. Palmas para os alemães.
Embora a imprensa tenha buscado imagens dramáticas de torcedores chorando, o que mais observei foram brasileiros ignorando o jogo para ler ou enviar inúmeras mensagens irônicas e satíricas nos Smartphones. Matéria para os sociólogos de plantão ...
Hoje, quando me dirigia da derrota para Vitória, passei pelo viaduto que desmoronou em BH, cruzei com um belíssimo projeto de Oscar Niemeyer e me sentei no saguão do aeroporto para aguardar o voo. Em minha frente, as obras interrompidas no aeroporto de Cumbicas estavam cobertas por uma imensa bandeira do Brasil e por tapumes que traziam a figura de uma criança dizendo da esperança em nosso país.
Eis a imagem símbolo da Nação  utilizada para encobrir a falta de compromisso das autoridades. Mas ela já se mostrava sem propósito após a derrota da seleção. Muitos apostam que o brasileiro transfira sua crença incondicional na seleção para fora dos gramados.  Muitos apostam nisso. Sempre apostaram e apostarão.
Quando propus a música do Cazuza como tema da Copa ninguém me ouviu. Lá vai agora, quem sabe cole: “Brasil! Mostra sua cara, quero ver quem paga ...”
Sim, de cara à mostra, diante do espelho, o brasileiro deve  olhar-se e pensar. Pensar e acreditar. E acreditar dessa forma já não é ter apenas esperança. Acreditar deixa de ser uma atitude passiva. É assumir, e não transferir a responsabilidade - é crer na possibilidade de transformação.
E já que lembrei o Cazuza : “Nossa piscina está cheia de ratos, nossas ideias não correspondem aos fatos, o tempo não para ...”. E o tempo não parou após os 90 minutos dessa terça feira, 08 de julho de 2014.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Minhas memórias das copas do mundo



                                                                  Jorge Elias Neto

Posso me dizer um veterano. São doze copas do mundo ... Posso me dizer, com tranqüilidade, médico, louco e técnico. Afinal, sou brasileiro, onde o pão e circo se equipara à Roma dos Césares.
Não me lembro da copa de 66, tinha então 2 anos ... Mas da copa de 70, apesar de não lembrar dos jogos – os quais acabei decorando, tantas vezes que assisti os vídeos ao longos dos anos (acabei guardando um selo histórico com a ilustração do soco no ar do divino Pelé ...) – lembro-me bem de sair com meu pai, jogo à jogo, na Avenida Jerônimo Monteiro e Avenida Beira-Mar ao som dos gritos e fogos. Alguém, por favor, me confirme se é delírio de criança, ou tiveram mesmo aquelas luzes no Penedo para receber o nosso Fontana ...
Fiquei abismado por saber dos “Noventa milhões em ação”. Já estava impressionado com os programas do Amaral Neto mostrando a Trans-Amazônica (e lembrar que meu irmão estava por lá com os irmãos Villas-Boas...). E dá-lhe “verde, amarelo, branco e azul anil. Eu te amo, meu Brasil, eu te amo...” E dá-lhe ditadura militar das aulas de Moral e Cívica no Colégio do Carmo ...
Veio 74 e o carrossel holandês... O Cruif e irmãos Vanderkerkhoff ... Mas o que me marcou foi a comemoração de um gol do Brasil. Dei um soco no ar e quebrei o lustre de cristal de minha mãe, corri e me joguei de joelho na sala (apenas me esqueci do tapete sintético que me causou queimaduras nas canelas) e, finalmente, peguei minha bandeira verde e amarela, corri para janela e desfraldei nossa flâmula para gritar um gol extasiado ... Olhei para baixo e só vi foi o vizinho do oitavo andar acender o pavio do fogo de artifício ... Tirei a cara, ouvi o estrondo e sentei arrepiado de medo na poltrona da sala. Passei a ser mais comedido em minhas comemorações.
E chega 78 dos irmanos ... Fiquei com aquele jogo do Peru entalado na garganta. Vai entender o que se passou com o orgulho dos herdeiros do império Inca ... Acabei de lembrar que ainda não conheço Matchu- Pichu... Uma lástima.
As copas de 82 e 86 me pegaram de calça curta. Encontrava-me no auge do fanatismo pelo futebol. Confiante com o excesso de craques ... Tínhamos uma grande seleção. Todo jogo nos reuníamos no Argentino com uma batucada de dar gosto – isso foi em 82. Já em 86, contavamos com a compreensão do Pirão que deixava aqueles jovens universitários beberem todas e batucar na frente do seu restaurante (e ele nem imaginava que, naquela época, nenhum de nós tinha grana para pagar por sua excepcional muqueca ...). Mas aquelas copas acabaram sendo duas grandes decepções...

As outras copas ... Das outras copas tratarei depois ... Isso é óbvio, se alguém está interessado em saber das memórias de um cronista entre quase 200 milhões de fanáticos torcedores ...