terça-feira, 22 de julho de 2014

TRILOGIA PARA GAZA - Jorge Elias Neto


Céu de bombas
                            

Não interrompam o cotidiano das serpentes.
Elas não buscam no homem seu veneno.


Por que choras por mim, meu pai?

Cumpri com o que me coube
nessa Gaza de feras.

Em cada criança morta, sacrificada,
um objetivo insano.

Despeço-me do dia
sob flashs e bombas.

Uma fome doentia
molhou teu corpo com meu sangue.

Estrelas dos profetas cruzaram os céus
e pulverizaram os créditos de minha infância.

A ambição de poder comeu meu destino.
Com a força, roubaram-me o sorriso.

Meu pai, nem sei perguntar por quê.
Não tive tempo de me nutrir de ódio.

Pensando bem, pai,
que as lágrimas partam.

Transpareça a indignação em teu rosto
nas telas indiferentes do Mundo.

Sobretudo crê, pai,
crê no triunfo do olhar de tua filha,
fosco de morte,
voltado para esse lindo céu,
reluzente de bombas,
nessa noite de um domingo de fúria.


A praça

Estaria reservado no escaninho dos deuses
tão impensada tormenta?

Movimento primevo:
revoada dos pombos.

Quebrado o instante,
brancas penas restaram na praça.

Crianças absortas,
festejando o dia,
imaginaram dragões e fadas.

Anciões se entreolharam
e cismaram com o céu...

Ato contínuo:
zunido, estrondo,
perplexidade.

Malfadado encontro:
pó e silêncio.

Os primeiros gritos,
embotados pela poeira do subentendido.

O som antecipou
a imagem suspeitada.

Fez-se a desolação
nos rostos que se ergueram.

Os primeiros gestos, lentos,
não acompanharam o frenesi do pensamento.

Desespero.

– Como é possível
minar tanta água
desses rostos de areia?


Coube ao acaso
a seleção dos fortes
(que recolheram os corpos).

Ao poema cabe
despejar sobre o chão,
e na cara dos facínoras,
uma resma de dúvidas.

De algum ponto,
cabe o recomeço.

Sonhos no absurdo

                                                                            Não tirem do poeta a visão;
podem condená-lo à loucura
do mergulho no poema sem fim.
I

O poeta sabe a textura exata do sonho.

E por perceber que os números são símbolos
que poderiam arrastar seu povo,
foi o primeiro a se equilibrar nos destroços.

Não azulava as dúvidas com preces
e entendia a sujeira como um vício da realidade.

Caminhando em silêncio,
observou que a ausência de espaço
não havia poupado nem mesmo as sombras.

Homens desencontrados
cruzaram o limite da incerteza
e bradavam:

– Não pedi esse conflito.
Mas, na dúvida,
deixo a arma engatilhada!

Nunca foi do poeta o primeiro momento...
II

Aos primeiros que o ouviram disse:
– Se abuso daqui à esquina de minha casa,
perco o controle do dia.

– A vida é ritual de pontes.
Vejo triste que, entre o dito e o pensado,
ficou uma ponte tombada.

– Hoje massacraram nossas verdades,
e enxergamos o abismo.

Choraram juntos a mais temida das mortes.


III


O poeta sente o absurdo do tempo humano.

            O homem aquietará.
            E juntos, todos os ponteiros
            deixarão  de ter sentido.

É do homem buscar refúgio nos dias.



IV

Nos escombros,
na esquina antes sem luz,
sentaram  as crianças.

Diante delas
o poeta circundou com o dedo
seu corpo na areia.

Com um salto
surpreendeu-as com a facilidade
que superou o limite de sua prisão.

O poeta percebe o momento exato do nascimento do sonho.

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