sexta-feira, 30 de abril de 2010

CONVITE - LANÇAMENTO DE RASCUNHOS DO ABSURDO



A poesia de Jorge Elias Neto


Ao merecer o privilégio de ler Rascunhos do absurdo antes de sua publicação, compreendi, de imediato, que me encontrava diante de um poeta que pretendia dar mais força às palavras, na invenção do belo. E senti isso de pronto ao ler “Régua quebrada”, onde destaco:

“Não me importo/em numerar as penas do cisne.”
“Cato palavras de aluvião. Insisto na ingenuidade da metamorfose./
“Só sei transformar sapato em borboletas.”

No poema “Só sei que vou te amar”, a gente tem que admitir, como um perfume anódino, esta verdade etérea do poeta:

“Aceitar o fato/que os grãos de areia não sonham.”

Também no poema “Cúmplice”, não há como negar-se um toque de flauta na alma:

“Já coloquei todos os parênteses/em nossa existência. / A porta ficou fechada/
para a monotonia da brisa.”

Outro poema que tange bandolim em nosso coração é “Testamento moral”:

“Na soleira da porta/a lágrima escorre/limpando a pegada do poeta sonâmbulo.”

E como pretendesse perfumar a nossa tristeza com a sua própria dor, Jorge Elias nos presenteia com o poema “No entorno”, com estes versos que têm aroma de saudade:

“ Enquanto tivermos pulmão para soprar as pétalas/
Exerceremos o ofício temerário de celebrar a vida.”

Para não roubar ao leitor a oportunidade de descobrir mais encantamento na poesia de Jorge Elias Neto, recomendo, finalmente a leitura de “Sonho no absurdo”, que contém o terceiro capítulo do livro – GAZA.
Para quem já visitou Israel em três oportunidades, inclusive a região de Gaza, a última parte de Rascunhos do absurdo, é de deixar o coração em chamas, pela beleza incendiária dos seus versos. Por isso mesmo, reservo-me o direito de deixar ao leitor a oportunidade de sofrer esta ode extraordinária sem minha interferência, mas concluindo, envaidecido, reproduzindo, como se fossem minhas, as mesmas palavras do poeta e pesquisador Gustavo Felicíssimo: “É certo que, com essa potência e consciência literária, a poesia de Jorge Elias Neto enquadra-se neste momento, sem nenhum alarde, no rol daquilo que de melhor e mais significativo vem sendo produzido por nossos poetas contemporâneos. E ele nem sequer desconfia disso.”

Berredo de Menezes

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Jô Drumond - Convite e Poemas



FACES E DISFARCES

Traço retraço
Formas disformes
Faço refaço
Versos dispersos
Submeto as formas
Subverto os versos
A anteface disfarça
Meu "eu" retorcido
(2000)


LABIRINTO FILOSÓFICO

Passei toda minha vida
Perseguindo mil porquês

Procuro ainda a saída
Sem fio pra me guiar

Não paro nunca a andança
Atrás do impoderável

Da vida não levo nada
Não sei se deixo saudades

Mas deixo aqui palavras
Que não se apagarão

E deixo também minhas duvidas
Àqueles que virão

(2001)


MEMÓRIA PEREGRINA

Com iscas de nostalgia
E anzóis vergados de saudade
Pesco retalhos da vida
Nos abismos da memória

Nos arpejos do presente
Emerge o passado
Com sabor de futuro

(2007)


Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Escritora, poeta, pesquisadora e tradutora

É doutora em Comunicação e Semiótica pela Puc/SP e mestre em Estudos Literários, pela Ufes. É pós-graduada (lato sensu) em Arte e Cultura Barroca, pela Univ. Federal de Ouro Preto e em Literatura de Língua Portuguesa, pela Ufes. Tem três graduações: Letras, pela UFMG, Língua, Literatura e Civilização Francesas, pela Université de Nancy (França), e Artes Plásticas, pela Ufes.

Tem diversas publicações (poemas, contos, crônicas, ensaios) em livros próprios, em antologias, em revistas de pós-graduação, em anais de congressos, e na Internet.

Atualmente é Diretora Cultural da Aliança Francesa de Vitória, Tradutora Juramentada do Estado do ES, membro da Academia Espírito-santense de Letras, Vice-presidente da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, membro do Conselho Estadual de Cultura. É também membro correspondente da Academia Feminina Mineira de Letras.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Noir - Facetas da alma ( I )


Filme: Noir


Um olhar,
na ausência,
é insubornável.



Noir

Disseste
que a corda
apazigua os desencantados.

Disseste
que a terra treme
nas bordas
do despenhadeiro.

A terra não tem nada
com teu descontentamento.
Ela é acima de qualquer suspeita.

É que a luz só atinge tuas costas.

Hoje,
a estupidez não é mais um traço,
é um demônio que se agiganta.

(Rascunhos do absurdo – 2010)




Dialética do desenlace

Para o interlocutor ausente



Estamos sós.
E a tristeza que invade os espaços íntimos
não permite sobriedade.

Desfazem-se gestos
para evitar a tortura de sentir-se interpretado.

Quando calar-se
é um virar de costas.

(Inédito)

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Realidade - Facetas da alma (I)



Meu punhal tem duas faces:
a que brota
e a que geme.


A realidade de cada um


Desconheço a ordenação dos anjos,
mas sei das cores nas fachadas das casas.

Na foto antiga, as casas já receberam
O insofismável tom trazido pela areia do tempo.
Naqueles olhos ausentes,
que cruzaram desapercebidas
a falsa eternização do momento,
surpreendo o olhar humano.

Desconheço a verdade dos santos,
mas tenho aprendido sobre a mutilação do desejo.

(Verdes versos – 2007)



Rotina

Convivia-se com a conformidade
de ter o universo próximo de casa.

O espaço delimitado
pelo absurdo traço da conveniência
era marcado pelas solas dos sapatos
(e trazia a fotografia do mijo
fora da privada).

Para o gozo o número era par.
Pouco importava a singularidade da morte.

(Rascunhos do absurdo – 2010)

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Sem fichas - Facetas da alma (I)


Não encerro, dentre meus subterfúgios,
a idéia de passagem.


Refutação do tempo humano

O homem aquietará.
E juntos, todos os ponteiros
deixaram de ter sentido.

(Inédito)

Sem fichas


A vida não é um jogo de baralho.
Não poderei simplesmente dizer “passo”.
Não me chegará às mãos
meu atestado de óbito.

(verdes versos 2007)