sexta-feira, 30 de julho de 2010

Os ossos da baleia (Fragmento)


XXIV

Eis a introdução não escrita.
Alijada da obra.

Pensá-la, virou um hábito de reinicio;
pausa no entreposto das suposições.

Passado?
Mas os tomates podres são de um vermelho tão sincero...

(do livro Os ossos da baleia – inédito)

terça-feira, 27 de julho de 2010

Silvério Duque



LÚCIFER
SOBRE UM POEMA DE MIHAI EMINESCU


à Cristina Nicoleta Mănescu, por sua história.


Sobrou de toda mágoa – e destas ânsias –
este anjo cujos olhos renasciam
entre os vôos que, nas asas, se insurgiam
por entre os céus sem fim e sem distâncias.

Ele girou em torno de seu rosto
num estertor de infinito que o nutria,
e, na manhã reescrita que o seguia,
vi a rosácea inconsútil de um sol-posto.

O anjo, de asas de sombra e luz que medra,
deixou seu nome em tudo quanto existe,
por ser, entre as estrelas, a mais triste.

Tudo que o anjo quis, perdeu na queda...
O ardor pelo que morre e o rosto terno
de alguém que se cansou de amar o Eterno.

(do livro Ciranda de sombras - inédito)


SONETO

Que sabes tu dos frutos, das sementes,
da dureza das flores contra o vento?
A aurora vem tragar a noite espessa
de onde brotou, sem dores, o teu grito.

Se a afirmação do amor nos aborrece,
morrer é mera vocação dos vivos,
pois, no morrer de tudo, há um recomeço.
Não queiras mal ao tempo ou ao espanto;

não queiras mal ao grão, à terra escura...
Que sabes tu das trevas ou da carne?
Que sabes tu das noites, dos princípios?

Hoje, é chegado o tempo dos retornos
e toda forma espera o seu ofício
como o vaso existente em todo barro.

(do livro A pele de Esaú - 2010)



SONETO

E o que eu adoro em ti é a tua carne,
porque tudo o que é vivo se deseja;
assim, desejo em ti o meu tormento
que há-de crescer na proporção do tempo.

O que eu almejo em ti é a tua sombra,
pois toda boca habita as mesmas vozes
que hão-de tecer com gritos o teu nome
na tarde azul tragada pela noite.

Beijo o teu rosto como se existisse
algum lugar pr’além do Precipício,
e, junto ao gosto de teu lábio esquivo,

uma palavra, sobrescrita em sangue,
há-de adornar o verso em que eu me esqueço
e há-de extirpar, do amor, a fúria imensa.

(do livro A pele de Esaú - 2010)


SILVÉRIO DUQUE – Feira de Santana, Bahia, aos 31 de março de 1978. Sua primeira grande paixão foi a música, a qual exerce profissionalmente desde os seus 12 anos, participando, como clarinetista, das Bandas Filarmônicas 14 se Agosto e Maria Quitéria, na cidade de Tanquinho. Mais tarde, coordenará por certo tempo a escola de música da Sociedade Filarmônica Euterpe Feirense, em sua terra-natal. Após trabalhar como desenhista, restaurador e até mesmo como ajudante de mecânico descobre, bem antes de ingressar no Curso de Licenciatura em Letras Vernáculas da Universidade Estadual de Feira de Santana, seu mais verdadeiro ofício: o Magistério. Sua primeira obra publicada foi o opúsculo O crânio dos peixes (Edições MAC/2002), seguindo-se de Baladas e outros aportes de viagem (Edições Pirapuama/2006). Entre um livro e outro, participou de concursos literários, periódicos, bienais e vários projetos musicais e literários. Foi primeiro lugar, na categoria Poesia, da 3ª edição do concurso literário Bahia de Todas as Letras 2007/2008, realizado pelas editoras Via Litterarum e Editus/UESC, com patrocínio da Fundação Chagas. Seu trabalho também é encontrado nas antologias: II Prêmio Literário Canon de Poesia 2009 e Concurso Feirense de Poesia Godofredo Filho, como em vários sites de Literatura espalhados pela Internet A pele de Esaú (Ed. Via Literarum/ 2010) é o seu mais novo trabalho e, segundo as palavras do próprio autor, sua “obra mais madura, até então”. Seu próximo livro, Ciranda de sombras está no prelo.
Blog: http://poetasilverioduque.blogspot.com

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Alvorada



Há dias em que não amanhecemos. Somos ejetados da cama pela lembrança de nossas obrigações. Em dias como esses, confesso perder o senso do ecologicamente correto; demoro-me vaporejando pensamentos debaixo de uma ducha quente.
A pouca luz natural que se esforça em me lembrar que já é dia, é absorvida pelo negro dos azulejos. Lâmpadas apagadas; dia apagado.
São seis horas da manhã _ minto para meu reflexo no espelho.
Rapidamente a névoa recobre o ambiente e embaça o vidro do box. Nesse momento, parece que meu ciclo respiratório só se faz por expirações.
Aprendi a aproveitar para desenhar figuras na transitoriedade do quadro que se apresenta a minha volta: escrevo meu nome, desenho um boneco de cara alegre, faço um circulo perfeito, com um movimento rápido e egocentrado _ artifícios terapêuticos.
Recosto-me na parede e fico deixando a água corrente lavar a minha superficialidade.
Quando já não é mais possível manter-me ali, sem que trinque o relógio, conto até cinqüenta, desligo o chuveiro, e faço amanhecer o dia.

Jorge Elias Neto

terça-feira, 20 de julho de 2010

PEDRO NUNES


SONETOS

III


O meu corpo é ausente do seu corpo,
meu amor: a noite apenas começa
e não é senão o anúncio da dor,
essa dor do furioso cio, etérea

dor. A noite não engana do amor
a fúria mal contornada, a eterna
angústia dos que debruçam famélicos,
sobre o éter, o desejo e o vapor

da nave que flutuou em azuis.
Da sorvência das horas vãs palavras
nada podem. É tudo furta-luz.

O amor prescinde de lavrar a pá
o perfeito verbo: tudo conclui
que o amor é um vento apaziguado.

Pedro J. Nunes é escritor, autor de Aninhanha, Vilarejo e outras histórias, Menino e A pulga e o jesuíta (Prêmio Secult de Literatura Infantojuvenil 2009, a ser publicado em breve). Site: www.pedrojnunes.tertuliacapixaba.com.br .

quinta-feira, 15 de julho de 2010

LAMPEJOS


Desenho: Isadora

Lampejos


O polegar inquieto de Darwin.
A caminhada ofegante de meu pai,
lembrando a loucura do bípede
(e um se [ ... ] que não o trará de volta).
Os mil nomes da beleza.
Uma reviravolta.

Deslumbramentos
e inércia;
sem remorsos.

O refúgio das ruas,
com suas casas e prédios
a dar sentido as calçadas.

Não suportarei perguntar sobre as sobras.
E minha filha a indagar sobre estrelas...

Quando nada se espera, só a ilusão desta taça de vinho.
Só o carinho das mãos de Isadora,
só essa falsa idéia
de continuidade –
que pesa nos ombros de meus filhos.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

4º aniversário da Diversos Afins - Edição especial - Convite



Prezados leitores:

Segue convite de Fabrício Brandão e Leila Andrade - editores da revista eletrônica Diversos Afins para leitura da edição de aniversário.
Parabéns e muito sucesso para estes amigos que tive a oportunidade de conhecer quando de minha visita a cidade de Ilhéus.

A 46ª Leva, através da exposição de escritores e artistas que integram nossa caminhada, tenciona prestar uma justa homenagem a todos os que, de algum modo, estiveram conosco em nossa infante existência. Saudamos a arte de Fao Carreira, Canato, João Colagem e Marco Angeli. Miramos um pouco de nós nas fotografias de Valéria Simões, Wellington de Medeiros, Antonio Paim e Ricardo Prado. Os poetas Neuzamaria Kerner, Jorge Elias Neto, Graça Pires, L. Rafael Nolli, Cássio Amaral, Ildásio Tavares, Felipe Stefani e Romério Rômulo nos ofertam seu lirismo. Nalgumas linhas de prosa, os contos de Roberta Tostes, Larissa Mendes, Rodrigo Melo e Alice Fergo percorrem densas vertentes humanas. A sabatina com o artista plástico Marco Angeli pontua os sensíveis diferenciais de uma carreira marcante. Bolívar Landi nos propõe olhares atentos ao filme argentino O Segredo de Seus Olhos. No Aperitivo da Palavra, um convite à leitura de Eros Resoluto, livro de contos do escritor Marcus Vinícius Rodrigues. Há muito mais nas entrelinhas do que podemos perceber e a cada leitor cabe uma particular e infinita conjunção de saberes e sabores. Agradecemos e saudamos a todos os colaboradores e parceiros e, em especial, aos leitores. Celebremos, pois, a vida e seus instigantes mistérios!

www.diversos-afins.blogspot.com

sexta-feira, 9 de julho de 2010

RUY ESPINHEIRA FILHO


O QUE SOMOS


Críticos dizem do poeta:
Um lavrador da memória.

Sim, certamente é isto, pois
dos nossos comos e ondes

só sabemos quando, diante
de nós mesmos, recordamos

nosso enredo nas batalhas,
as bandeiras, as mortalhas,

as trevas, as claridades,
os olvidos, as saudades...

Aqui, o riso. Ali, a dor.
E o amor. E o desamor.

Mas sabe o poeta das sendas
da alma de névoas e lendas

que, em meio ao que de nós vemos,
pode contar outras glórias

vindas de acordes profundos
que tecem, na história, estórias

(quase sempre onde ficamos
melhor: no que fabulamos).

Enfim, o que todos somos
é só o que até hoje fomos,

ou que sonhamos que fomos
(e então sonhamos que somos...)

E assim vai singrando a vida,
rumo ao indesejado cais.

E vamos nós, nessa ida,
levando tudo o que somos:

as ficções da memória
e o que já não somos mais ...





OUTRO ANIVERSÁRIO



Sessenta e cinco navegações
completas
em torno do Sol.

Tudo vazio onde prometeram
fulgurantes legiões
de anjos.

Nenhum deus
a não ser a lembrança dos que morreram
na alma
nm a um
belos ou hediondos
durante a viagem.

Sessenta e cinco vezes
a volta ao Sol
e nenhuma revelação
nenhum sentido
nada

além do cultivo de uma sombra
cada vez mais longa
no ouro agonizante
da tarde.



ESPINHEIRA FILHO, Ruy. In: Sob o Céu de Samarcanda. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil Editora,2009.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

CONVITE - ENTREVISTA



Prezados leitores:

O poeta e filosofo Hilton Valeriano mantém o blog POESIA DIVERSA, o qual acompanho regularmente em decorrência da qualidade dos poemas postados.
Além de poemas, Hilton tem publicado uma série de entrevistas com poetas. Nesta semana foi nossa vez de responder os questionamentos do poeta. Convido todos para leitura. Caso queiram, deixem seus comentários.

Forte abraço para todos.


POESIA DIVERSA> http://poesiadiversidade.blogspot.com/