sexta-feira, 27 de maio de 2011

Silêncio


É necessário buscar espaço para o silêncio — ocupar-se dele.
Até que nada mais sobre solucionável pela palavra.

Jorge Elias Neto

sábado, 21 de maio de 2011

Mme du Deffand - moralista francesa (séc. XVIII)


" [...]
A mim me cabe falar-vos deste mundo de cá. Em primeiro lugar digo-vos que ele é detestável, abominável etc. Há pessoas virtuosas, ao menos que podem parece-lo, enquanto não atacamos sua paixão dominante, que é de ordinário, naquelas pessoas, o amor da glória e da reputação. Embriagadas com elogios, muitas vezes parecem modestas; mas os cuidados que tomam para consegui-los denunciam o motivo e deixam entrever a vaidade e o orgulho. Eis o retrato da maioria das pessoas de bem. Nas outras são o interesse, a inveja, o ciúme, a crueldade, a maldade, a perfídia. Não há uma só pessoa a quem se possa confiar as aflições sem lhe proporcionar uma alegria maligna e sem se aviltar a seus olhos. Falar de prazeres e êxitos? Isso faz nascer o ódio. Praticais o bem? O reconhecimento pesa, e encontram-se razões para se eximir dele. Cometeis algumas faltas?
Elas jamais se apagam; nada pode repara-las. Vedes pessoas inteligentes? Só estão ocupadas com elas mesmas; desejam ofuscar-vos e não se darão ao trabalho de vos instruir. Tendes negócio com espíritos mesquinhos? Eles estão atrapalhados com o próprio papel, manifestarão descontentamento com sua esterilidade e sua pouca inteligência. Na falta de espírito encontram-se sentimentos? Alguns, nem sinceros, nem constantes. A amizade é uma quimera: só reconhecem o amor; e que amor! Mas basta, não quero levar mais longe minhas reflexões: elas são o produto da insônia; reconheço que um sonho seria preferível."

Mme du Deffand - carta endereçada à Walpole - 1-04-1769


Marie Anne de Vichy-Chamrond, marquise du Deffand (1697– 23 September 1780)

domingo, 15 de maio de 2011

Juan Ramón Jiménez

O papagaio


Estávamos brincando com Platero e com o papagaio, no horto do meu amigo, o médico francês, quando uma mulher jovem, desordenada e ansiosa, chegou descendo a ladeira. Até antes de chegar, lançando-me o negro olhar angustiado, havia me suplicado:
- Moço, o médico está?
Atrás dela vinham umas crianças maltrapilhas, que a todo instante, ofegantes, olhavam para o alto do caminho; no fim, vários homens que traziam um outro, lívido e caído. Era um caçador furtivo, desses que caçam veados no couto de DoÑana. A escopeta, uma absurda escopeta velha amarrada com tamiça, tinha disparado, e o caçador levara o tiro no braço.
Meu amigo se aproximou do ferido, com delicadeza, levantou os trapos miseráveis que o cobriam, limpou-lhe o sangue e foi lhe tocando ossos e músculos. De vez em quando, ele me dizia:
- Ce n´est rien...
Caia a tarde. De Huelva chegava um cheiro de maresia, de breu, de peixe... As laranjeiras arredondavam, sobre o fundo do poente cor-de-rosa, seus densos veludos de esmeralda. Em um lilás, lilás e verde, o papagaio, verde e vermelho, ia e vinha, perscrutando-nos com seus olhinhos redondos.
As lágrimas que brotavam do pobre caçador enchiam-se de sol; às vezes soltava um grito sufocado. E o papagaio:
- Ce n´est rien...
Meu amigo aplicava no ferido algodões e vendas ...
O pobre homem:
- Aaai!
E o papagaio, entre os lilás:
- Ce n´est rien... Ce n´est rien...


RAMÓN JIMÉNEZ, Juan. Platero e eu, 1° ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.