quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Fogo baixo


Eu já te disse da espera?
É como pescar traíra:
arma-se a vara na véspera.
Não se tem a consciência
de que o que vem é o que
resolvemos chamar de futuro.
Mas o quão irrelevante
é para o relógio astral
um dia que segue outro.
O importante é o prazer da espera,
a transformação do tempo
na demora que relativiza a vida.
A espera permite fixar o momento;
sobra tempo para se enfeitar com o luar.
O fim passa a ser justificável,
E, quando ele chega,
eis que nos encontra já entranhados
com o cheiro da partida.

(Verdes versos)

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Poetas – Rita Brennand

Vários poetas nos dizem muito.
Alguns deles são conhecidos de todos, outros de muitos e a grande maioria de muito poucos.
Mesmo aqueles, já nossos velhos conhecidos, possuem inúmeros poemas por nós desconhecidos, não lembrados – ou simplesmente não lidos no dia oportuno para sua leitura.
Resolvi então, iniciar a postagem de poemas que tem me acompanhado ao longo dos anos.
Inicio com Rita Brennand, artista plástica e poetiza, que com seus 80 anos muito me emocionou. Seu único livro, Objetos da Terra, editado pelo poeta e contista Miguel Marvilla em 2001, permanece ainda inédito.

Criação
Estava tão conivente com o cubo
que me encubei numa tarde molhada.
Encubada, teria mais tempo para mim.
Já não cabia a idéia solta, descentrada.
Previ a cabeça enquadrada.
Liguei com o olhar os pontos dos cantos
com linhas retas raciocinadas.
Teci por horas a fio,
e vi-me de cubos ao cubo cercada.
Até que, em negro ponto, senti-me.
Sou energia contida, concentrada.


Estou à espera do big-bang.


Para não morrer

Para não morrer,
eu me pari como fazem as vacas
em qualquer campo.
Era de noite, de céu branco de via-láctea,
era de noite, de luz.
Dançava no pasto os vaga-lumes.

Eu me pari ao som do cria-criar
dos grilos.
Me parindo,
eu vim a tona,

me lambendo,
me respirando,
me cri-criando!

Era de noite.
Para não morrer,
eu me pari.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

14 de Fevereiro, blogagem coletiva contra a pedofilia



Coito


Seu moço,
qual é mesmo seu nome?
Tá, tá bom!
(alguém entrou em meu beijo)

Essa vida de becos escuros,
bueiros fedorentos,
é uma merda,sabe?!
(alguém rasgou meus peitos)

Abro as pernas
pra ter o que comer.
Tô viciada, mas
tenho minha dignidade...
(enfiou em minhas coxas)

Te chamar de meu amor?!
Vai meu amor!

Dizer que sou sua puta?
Enfia na sua putinha,
Assim... assim...
Enfia nessa merda
de vida dessa puta!

Seu nome é Wanderley?!

Wanderley, deixa eu morrer Wanderley!

(Para não dizer que não falei...)

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Lavrar a carne


Desacato curvas
às expensas da vereda de teus olhos.
Bolino esse olho d´agua
bebericando-te pelas margens.

Brinco de adivinhar desvios
enquanto procuro à nascente de tudo.

Não me agrada a mesmice
de seguir margeando o leito.
Prefiro ir redescobrindo atalhos...
Sou grilheiro,
gosto de tomar posse do que há de devoluto.

Por onde sigo,
sinto o crepitar dos seixos
e o tilintar dos ossos.

Marco com saliva meus passos.

Comungo com a cuia das mãos os teus cristais.

Ah, esse calor calcitrante...

Que venha a tempestade!
Trisca relâmpago!
Range bambual!

Gosto assim! [...]
Que desçam as águas
comendo essas margens ressequidas.
Que estremeça a terra
com tuas palavras distorcidas.

Quero essas várzeas alagadas;
esse chão purificado!

Largar-me como um ilhéu
sobre esse promontório
a apreciar a descida das águas...

E depois... Só encontrar recantos ...

(Verdes Versos)