segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Oscar Gama Filho - A Hora do Amor


A Hora do Amor

                                          "a Jorge Elias, em sua posse"

O amor não tem hora.
Bate descompassado
e ao sabor dos contratempos.

O amor não tem hora.
Marque com ele
e ele antes irá embora.

O amor tudo aceita:
Até marcar um encontro.
Você irá na hora

mas ele não estará no ponto:
É que ele se come sangrando
e não ao ponto.

Praia de Itaparica, 26 de outubro de 2013




segunda-feira, 21 de outubro de 2013

SONHOS - Luiz Guilherme Santos Neves


                                                         Luiz Guilherme Santos Neves
        
- Sonhos são rios. Eu me afogo neles - ela disse, enquanto a tarde morria num mar de cobre.

         - Eu não sonho - disse ele. – Sou seco de sonhos.

         - Impossível! Você deve sonhar e não lembrar quando acorda. Até os animais sonham – replicou ela. - Eu tive uma cadelinha que gania quando sonhava. Chegava a dar pena ver a bichinha dormindo e sofrendo. Mas nem assim eu tinha coragem de acordá-la. 
        
         Ele pareceu não a ter ouvido, o olhar perdido no mar que entardecia. Estavam no deck de um restaurante, diante do oceano incrível e cúpreo, ela bebendo um refrigerante que puxava da garrafa por um canudinho, ele saboreando uma cerveja gelada em goles espaçados. 

         - Meus sonhos costumam ser estranhos – continuou ela. – Uma vez sonhei que eu não fui reconhecida por minha mãe.    
                  
         - Era mesmo sua mãe quem não a reconheceu? – perguntou ele.

         - Era. Eu me aproximei dela e disse ‘mãe’! Ela me olhou com um jeito estranho e fuzilou: ‘você não é a minha filha’. Ainda me lembro das suas palavras, secas e cortantes. Ela não disse que não tinha filha, nem que não estava me reconhecendo. Foi categórica. Me olhou e disse: ‘você não é a minha filha”.  Portanto, ela sabia que tinha uma filha, mas que esta filha não era eu, muito embora eu soubesse que ela era a minha mãe. Acordei chorando e repetindo, mãe, sou sua filha, sou sua filha! Foi assim que descobri que os  sonhos são rios em que a gente se afoga.

         - Já ouvi dizer que são nuvens... – disse ele, embocando outro gole de cerveja.

         Ela agora pareceu não ter ouvido.  Mas depois de alguns instantes, confirmou sua teimosia: - Para mim são rios. A gente fica muitas vezes com o corpo molhado, quando sonha. Comigo já aconteceu acordar com a pele úmida. Uma nuvem não faz isso. Os rios fazem!

          - Os sonhos bons também são rios? – perguntou ele.

         - Também. Eles causam uma sensação de prazer, e não de dor como os maus, mas quando a gente acorda, eles se foram como as águas de um rio que não podem ser retidas, nem retornadas, deixando apenas lembranças. 
          
         - Mas são lembranças boas, não é? – indagou ele com espuma de cerveja branqueando os fios do bigode.

         - São lembranças líquidas, entende o que eu tento dizer? Porque é assim que eu as sinto.

         - E os sonâmbulos, você acha que eles sonham que navegam enquanto andam?

         - Com os sonâmbulos eu acho que é diferente... Se eles sonham e andam, eles tornam seus sonhos possíveis, mecanicamente possíveis, ainda que momentâneos. Com eles os sonhos se processam fisicamente, pelo menos é o que eu penso. Então, para mim, os sonâmbulos são os próprios rios... Os rios dos sonhos deles, o que não é a mesma coisa que sonhar deitado, com o sonho-rio invadindo a nossa mente, como acontece com toda gente... menos com você, é claro.  Eu sei que é complicado explicar, mas ainda assim, no caso dos sonâmbulos, os sonhos continuam sendo rios, da forma como eu vejo a coisa, você me entende...?

          - Não é fácil entendê-la apesar do esforço da explicação. Lembre-se de que eu não sonho... A minha experiência em matéria de sonhos é uma lacuna triste – disse ele, pedindo outra cerveja ao garçom.

         - Então vamos supor – disse ela, querendo levá-lo à compreensão do que estava expondo. - Vamos supor que o que está se passando aqui, entre nós dois, fosse apenas um sonho, um sonho seu, ou nosso... Por favor, não ria.

- Sabemos que não é sonho... – disse ele, rindo. – Estamos aqui terminando o nosso encontro num restaurante, há umas poucas pessoas concretamente à nossa volta, a minha cerveja acabou e eu pedi outra, o seu canudinho já está dobrado dentro da garrafa, esta mesa em que estamos é dura e sólida – e bateu no tampo de madeira com o fundo do copo para confirmar suas palavras. – Ouça: dura como a realidade...
        
         - E o mar? Você não mencionou o mar... – ela desdenhou desafiadora.

         - Então ponha também o mar neste cenário...

         - No entanto, se você observar com atenção vai ver que o mar visto daqui onde nós estamos, neste apagar de tarde, parece absurdamente irreal, imobilizado e plano em sua cor afogueada... Não lhe parece esquisito?
        
         - Este pormenor tem para você algum sentido onírico? – ironizou ele.

- É apenas um acréscimo em favor da proposta que eu lhe fiz. Deixe de lado o seu espírito lógico, que o impede de sonhar, e admita, por um momento, um momento mínimo, que a realidade em que nós estamos não exista. Faça um esforço, um grande esforço, meu amigo. Feche os olhos se quiser e me responda: se você acordasse deste sonho imaginário o que você acha que teria ficado da realidade que nos envolve e que também somos eu e você?
         - A sensação de um rio que passou? – perguntou ele, sabendo que era a resposta que ela desejava ouvir.

         - Exatamente. A sensação de um rio que passou. A abstrata matéria dos sonhos ou a “imatéria” deles – disse ela convicta das suas metafísicas. – Nós, que aqui estamos, é como se fizéssemos parte das águas de um rio, o rio dos sonhos! Nada mais do que isto, percebe o que quero dizer?    

         Ele disse que sim para não a contrariar. E em silêncio ficaram contemplando o mar, em sua planura metálica, engolir a tarde numa bocada derradeira.
        




terça-feira, 15 de outubro de 2013

CONVITE


quarta-feira, 2 de outubro de 2013

FOTO - BPES - AUTORES CAPIXABAS


Reunião da Biblioteca Pública do Espirito Santo.
Da esquerda para direita: Jorge Elias Neto, Marcos Tavares (poeta e cronista), José Augusto Carvalho (linguista e cronista), Oscar Gama Filho (poeta), Reinaldo Santos Neves (Romancista), Pedro Nunes (contista, romancista e historiador) e Fernando Achiamé (historiador e poeta).

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

A MÁQUINA DO MUNDO - TRADUÇÃO DE PEDRO SEVYLLA


La Máquina del Mundo

                                   Poema de Carlos Drummond de Andrade
Traducción de Pedro Sevylla de Juana


Y como mis pies palparan suavemente
una carretera de Minas, empedrada,
y en la aldaba de la tarde una campana ronca

se mezclara con el murmullo de mis zapatos,
pausado y áspero; y aves flotasen
en el cielo de plomo, y sus formas negras

lentamente se fueran diluyendo
en la crecida oscuridad, bajada de los montes
y de mi propio interior decepcionado,

la máquina del mundo se entreabrió
para quien de romperla ya se arrepentía
y solo por haberlo imaginado lagrimaba.

Arrancó suntuosa y reservada,
sin emitir un sonido considerado impuro
ni un resplandor mayor que el soportable

por las pupilas gastadas en la observación
constante y dolorosa del desierto,
y por la mente rendida al registrar

toda una realidad que excede
su  propia imagen esbozada
en el rostro del misterio, en los abismos.

Se abrió en inocente quietud, e invitando
a cuantos sentidos y presentimientos conservaba
quien de haberlos usado ya los perdiera

y no deseara recobrarlos,
si en vano y eternamente repetimos
los mismos periplos tristemente desorientados,

invitándolos a todos, en tropel,
a habituarse a los desconocidos nutrientes
de la naturaleza mítica de las cosas,

así me dijo, empero, cierta voz
 hálito, eco o simple sacudida
atestiguando que alguien, sobre la montaña,

a otro alguien, noctívago y desventurado,
en conversa se estaba dirigiendo:
“Lo que indagaste en ti o fuera de

tu pequeñez y nunca se mostró,
incluso aparentando darse o rindiéndose,
y encogiéndose más a cada instante,

mira, observa, reconoce: esa abundancia
excedente en toda perla, esa ciencia
sublime y tremenda, pero impenetrable,

esa exégesis integral de la vida,
ese vínculo inicial y único,
que no llegas a interpretar, pues tan arisco

se reveló ante la vehemente investigación
en que te desgastaste... percibe, considera,
abre tu pecho para hospedarlo.”

Los más soberbios puentes y edificios,
lo que en los talleres se da forma,
lo que discurrido fue y, seguidamente, alcanza

distancia superior al pensamiento,
los recursos de la tierra sometidos,
y las pasiones y los impulsos y los suplicios

y todo lo que explica al ser terreno
o se prolonga hasta en los animales
y llega a las plantas para filtrarse

en el sueño resentido de los minerales,
rota al mundo y vuelve a abismarse
en la insólita disposición geométrica de todo,

y el absurdo primigenio y sus enigmas,
sus verdades más altas que tantos
monumentos erigidos a la verdad;

y la gloria de los dioses, y el imponente
sentimiento de muerte, que florece
en el mástil de la existencia más gloriosa,

todo se manifestó en ese destello
y me reclamó para su reino soberano,
sometido por último a la visión humana.

Pero, como yo me resistiera a responder
a solicitud tan prodigiosa,
pues la fe se adormecía igual que el ansia,

la esperanza más exigua — esa aspiración
de ver desvanecida la densa obscuridad
que entre los rayos del sol aún se filtra;

como olvidados credos requeridos
pronto y vibrantes no se dispusieran
a colorear de nuevo la cara neutra

que voy por los caminos mostrando,
y como si otro ser, distinto de aquel
habitante de mí hace tantos años,

pasara a dirigir mi voluntad
que, ya de por sí inestable, se cerraba
semejante a esas flores indecisas

en sí mismas abiertas y cerradas;
como si un don tardío ya no fuera
deseable, antes bien desdeñando,

bajé los ojos, negligente, distendido,
rehusando aceptar la cosa ofrecida
que se abría gratuita a mi intelecto.

La sombra más tupida ya descansara
sobre la carretera de Minas, empedrada,
y la máquina del mundo, rebatida,

poco a poco se fue recomponiendo,
mientras yo, valorando lo perdido,
permanecía indolente, mano sobre mano.

PSdeJ  El Escorial 15Agosto2013


Pedro Sevylla de Juana nasceu em plena agricultura, lá onde se juntam La Tierra de Campos e El Cerrato, Valdepero, província de Palencia, em Espanha; e a economia dos recursos à espera de tempos piores ajustou o seu comportamento. Com a intenção de entender os mistérios da existência, aprendeu a ler aos três anos. Para explicar as suas razões, aos doze se iniciou na escrita. cumpriu já os sessenta e sete, e transita a etapa de maior liberdade e ousadia; obrigam-lhe muito poucas responsabilidades e sujeita temores e esperanças. Viveu em Palencia, Valladolid, Barcelona e Madrid; passando temporadas em Genebra, Estoril, Tanger, Paris e Amsterdã. Publicitário, conferencista, tradutor, articulista, poeta, ensaísta, crítico e narrador; publicou vinte e dois livros e colabora com diversas revistas da Europa e América, tanto em língua espanhola como portuguesa. Trabalhos seus integram seis antologias internacionais. Reside em El Escorial, dedicado por inteiro às suas paixões mais arraigadas: viver, ler e escrever. www.sevylla.com

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Calmaria



Mal desperta a manhã
e a parelha de olhos
se derrama pela névoa

Persiste nos corpos
a ardência que o tempo
aos poucos cobre

com o velame da brisa.


Jorge ELias Neto

quarta-feira, 26 de junho de 2013

ODE À BANDEIRA - Nessa primavera nos trópicos

                                      Foto: Rodrigo Guidotti

Ode à bandeira

                                                                    Para Jorge Tufic
                                              
                                                 Verde, amarelo, azul
                                                                                 e branco


Nosso foco míope,
nesta primavera escarlate
   ‒ com suas horas retintas ‒ ,
ignora a aurora,
despreza a lona do circo austral
de estrelas
impregnando o azul da Nação
com                     a face
perdida na orgia.

E, essa,
desfigurada,
revisita seus mortos,
homens,
pássaros,
plumagens,
                  poesia desgastada.
E estendida a flâmula
sobre o bastião da América
ensaia o remendo
do pavilhão desfeito.

Há de combinar auroras,
madrigais
sob parcas velas,
Sol a pino
de soberbas musas,
o azul do estio
agreste,
pinceladas anis
de Portinari,
festivas bandeirolas de Volpi,
flores de Bracher
e o olhar fulminante
dos santos de Solha.
Há de buscar o irrealizado,
e cobrir a poalha
estendida sobre a consciência.

Há de desfazer
o irremediável
suspiro das águas
baças de espuma,
cravejadas de plásticos
que refringem o sol
e sufocam os peixes.
Há de refazer a sinuosidade
secular dos rios,
que ardem sufocados
pelas mantas de concretos.
Fazer brotar as piracemas,
de escamas furtacor,
a gargalhar inocência.
Há de curar a mágoa
de Iracema –
distribuir oferendas
de contas nos remansos
a se transmutar
em coachar noturno.

Há de dourar
as negras coxas
com grilhões
de justiça,
desnortear o rumo dos
igarapés
no descaminho
das borboletas amarelas.
Há de escorrer
ouro das falésias
no Atlântico            sem fim.

Há de distribuir
o santo daime
na celebração das ocas,
polvilhar o verde
nas loucas esquinas
da miséria.
Preencher a atmosfera
com paragens bucólicas
onde o carvão
se regenere em matas
e os germes
pereçam sob a guarda
das harpias.

Há de perder-se
na remora  
das paisagens
e sentir-se
             terra.


 Jorge Elias Neto



Domingos Martins, 25 de janeiro de 2013

sábado, 15 de junho de 2013

Um poema para Ariano Suassuna



                                                                                Jorge Elias Neto
Suassuna


Lábios nordestinos
         secos
na aridez das certezas
e um perdão
fluido
e um senão
compadecido
e um cão
com plumas
e um sertão
na oralidade
das mãos
na tempestuosidade
do gênio
no dilúvio
da gota serena
na inquietude
demiúrgica das ideias
e um bordão
repisado
oitenta tempos
         chão
de um cordel
encarnado.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Náufrago - Oscar Gama Filho e Miguel Marvilla


Notas

A palavra-fio, tecida no texto, enfim respira na pausa do espaço-forma em que letras são tintas; versos, pinturas; estrofes, mosaicos-iluminuras do que dura, pura púrpura que o belo intitula

SERIAL IDEOGRÁFICO CONCRETO-PROCESSO
“O NÁUFRAGO”
(Parceria de Oscar Gama Filho e Miguel Marvilla)




O NÁUFRAGO         
.


O NÁUFRAGO NASCE (ou o náufrago e a metafísica)

:



O NÁUFRAGO E O TUBARÃO

^

O NÁUFRAGO ENCONTRA O AMOR

;


O NÁUFRAGO CONSTITUI FAMÍLIA

...


O NÁUFRAGO EXPLICA AO FILHO

*


O FILHO DO NÁUFRAGO SEGUE SEU EXEMPLO

.

"


O NÁUFRAGO SE DESILUDE

=


O NÁUFRAGO PROCURA OUTROS OBJETIVOS

+


O NÁUFRAGO CHEGA À MEIA-IDADE

?


O NÁUFRAGO MORRE

?!



Oscar Gama Filho, Congregação do Desencontro. Vitória, Fundação Cultural do Espírito Santo, 1980, p.   44-7.

sábado, 25 de maio de 2013

Poema - Tradução do poeta espanhol Pedro Sevylla de Juana


Le papillon blessé

                                                     Tradução: Pedro Sevylla

En la presente niebla
de las simetrías.
Cuando se sospechan punzantes
los pasos que reverberan certezas,
parece un capricho,
esa hilera de insignificancias
(la huella de la mariposa).

Por eso, el atrevido silencio
de ese cuerpo lánguido del hombre
ante nosotros
(el retorno a la condición humana es el recurso último
al que se entrega la mariposa en los momentos de
agonía).

Todos esos
que ocultan el rostro
en su  lecho
no se dan cuenta del fraude.

(En realidad,
el poeta no vive sin cuerpo.)

Son mariposas que permanecen
atrapadas en el color indefinido del tiempo.

Siempre quedará la cadencia de las alas,
deleitando con sus gestos
a quien, en lo absurdo de la vida
se sabe
                                              solo.


Le papillon blessé
  
Na atual névoa
das simetrías.
Quando se veem pungentes
os pasos que reverberan certezas,
parece um capricho,
essa fieira de insignificancias
(o rastro da borboleta)

Por isso, o silêncio resoluto
desse corpo flácido do homem
diante de nós
(o retorno à condição humana é o recurso último
ao qual se entrega a borboleta em momento de
agonia).

Esses tantos
que se debruçam
sobre seu  leito
não se apercebem da fraude.

(Na verdade,
o poeta não carece de existencia corpórea.)

São bobrboletas que persistem
suspensas na cor indistinta  do tempo.

Sempre restará o marolar das asas,
cortejando com seus signos
aquele que, no absurdo da vida
se aperceber
                                              só.



Jorge Elias Neto


sexta-feira, 10 de maio de 2013

Gustavo Felicíssimo - Poemas


REGRESSANTE

 Deixei-me ser o que não se revela,
senão na intensidade da saudade.
Deixei-me ser o que nunca veio,
o que nunca se encontrou
e nunca esteve perdido.
Deixei-me ser o que não volta mais,
senão no tempo que se encontra
porque não se procura.
Deixei-me ser, uma vez mais,
a existência sobre a existência repousada.
E já que em mim o que não é não ousa,
deixei-me ser a voz consentida,
erguida do nada, e que regressa à vida.

CONFISSÃO

            A minha alegria é não possuir nada
                        Carlos Anísio Melhor
  
Trago de longe uma calça jeans,
uma camiseta desbotada
e esse velho chapéu que já não serve pra nada.
Trago também um olhar disforme
para as coisas do mundo,
mas não tenho a intenção de ser profundo.
Se meu canto perpassa o que sou
é porque abraço o que tenho e preciso:
o silvo de algum pássaro distante
e certas elegias sobrepondo-se ao tempo.
Por isso essa imagem desbotada,
essa espada na minha cabeça
apesar da claridade na janela.
A despeito do meu olhar extravagante
a minha alegria é não possuir nada.
Sou o espelho da minha ilusão.

CRÔNICA DOS MEUS 40 ANOS

 Que estou ficando velho,
foi o que disseram
alguns amigos
agora que cheguei
aos quarenta anos.
Isso foi ontem
e não me desanima.
Hoje fitei o sorriso
da minha filha
nos braços de minha mãe
e percebi
que a vida não é uma ilha.
Hoje aprendi
que o avesso da minha voz
são esses versos
singrados
por múltiplas caravelas.
Ouve,
deles
vaza
o que à vida falta.


Gustavo Felicíssimo é escritor diversas vezes premiado no Brasil e traduzido para diversos idiomas. É, também, editor da Mondrongo Livros. Tem publicado os livros: Diálogos: Panorama da nova poesia grapiúna, Silêncios, Outros Silêncios, Procura & Outros Poemas, Blues Para Marília.