quinta-feira, 22 de maio de 2014

CRÔNICA

Os cachos dourados das borboletas

                                       Jorge Elias Neto


Como é curto o tempo da inocência.
 E ficará cada vez mais difícil sermos surpreendidos por uma criança em um momento de lampejo poético, algo apenas possível aos que começam a descobrir a linguagem. São tantas informações e imagens da mídia, que cada vez mais precocemente o vocabulário da criança é enriquecido, e isso ocorre na mesma velocidade em que se embota a espontaneidade – a inocência.
Subitamente uma criança diz algo, um simples comentário, tão inusitado e simples. Mas são esses os pequenos cristais capazes de revestir nossos dias com um pouco da beleza do infinito.
E não adianta pedir que a criança repita, filme com o celular e coloque no Youtube ... Perde-se a espontaneidade, já não está mais ali a imagem que fulgurou naquele cérebro tão jovem. Não, não é possível capturar em um vídeo esses momentos, que só cabem no espaço destinado aos sentimentos que nos aproximam do divino – o espaço da poesia.
 Esse tipo de situação foi feita para ser passada como fizeram nossos avós:  de boca a boca mesmo.
 É como o que o filho de uma amiga lhe disse, após ela receber alta do CTI: “Mãe, que bom que você não morreu. Você é tão quentinha." Qual poeta, me arrisco a dizer talvez um Manuel Bandeira, poderia ser tão perfeito ao falar do amor de maneira tão singela?
Quando diz isso, a criança não está sendo espirituosa, não é um chiste. Ela está sendo autêntica e descreve uma experiência emocional. Isso é divinamente primitivo.
Foi o que aprendi com minha filha quando acordamos em uma manhã ensolarada de domingo. Ela acordou, coçou os olhinhos, olhou para a porta e disse: “A porta está amarela !” Uma porta, fenestras, claridade...Não foi isso o que viu aquela borboletinha de cachos dourados... Ela surpreendeu o dia com sua visão multifacetada.
 A criança sabe olhar com a imaginação; vislumbra o voo sob o Sol da manhã.
E, quando chegou a noite, ela recostou-se em mim e sussurrou manhosa: “ Pai, meus olhos estão encharcados de sono ...”.