domingo, 25 de novembro de 2007

Singular


No derradeiro momento,
quando da indefinição do último gesto,
o velho poeta releu seus versos.

Compreendeu então
Que careceu de deslumbramento.
Não deixou no leito das páginas
palavras não ditas;
nem ao menos rascunhos de alucinações.

Mas,
no perene instante
em que se lhe cerravam as pálpebras,
delimitou-se um horizonte
entrecortado por uma
trilha de pedras marroadas.

Margeava o descaminho
um sem fim de olhares desinteressados.

Disse então o poeta:

– Tenho certo...
Senti adiante.
Ficará de mim... o olhar.

sábado, 17 de novembro de 2007

O poema começa assim




Emprenhar-se de miudezas;
deixando as mãos rendidas aos gestos costumeiros.
E quando a luz se aperceber desmembrada
pelo estalo da palavra,
jogar-se nos trilhos
para salvar a flor.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Decreto


(ler tomando água de coco à beira mar)

Atenção!
Está suspensa a transitoriedade das insignificâncias.
Não é permitida a inspirabilidade do óbvio.
É mandatório o afogamento das circunstâncias.
O status quo deverá ser limpo com papel higiênico.
Será suprimido do vocabulário o beijo sem língua.
No cardápio das quartas-feiras o prato principal será o ócio.
Cada bocejo deverá ser celebrado como profecia.
Ao homem, que não se lhe falte ovos fritos com torresmo, chicletes e água fresca.
Que todos os reflexos sejam queimados nas piras da reflexão.
Para cada ser humano, um momento lento de aurora.

(inédito)

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

O verde psicografado

Certa vez,
psicografei um beija-flor morto
na morna manhã da sensatez.

Ele me confirmou
que a turba renovará o erro de sempre.

– O desespero do luar está em teus olhos, disse-me ele.
Diz-me, rapaz,
és capaz de ver
quantas perspectivas na falsa inércia de um tronco?...
Acreditas mesmo
que um coração pode ser o centro do Universo?...

(Verdes Versos)

sábado, 3 de novembro de 2007

Ideal

Abriu portas no labirinto dos séculos
e chegou ao ponto de partida.
Tinha dado a volta ao mundo
brincando de cabra-cega.
Adiante, somente a porta verde
emperrada pela ferrugem dos livros.
Usou do rastro da lesma
para azeitar a fechadura.
Lambeu os dedos até ficarem verdes
e persignou-se pela última vez.
Desarmou o trinco com uma cusparada certeira,
e foi sentar-se sobre o relógio de sol
para enganar o tempo.

Agora, era só esperar as borboletas...

Os cachos da borboleta




A lagarta tem o olhar impregnado de terra,
não importa em que sentido olhe.
Para a lagarta, uma porta é uma porta,
uma folha é uma folha,
uma formiga é uma formiga.
Ela se basta; e passa a vida empanturrando-se com suas certezas.
Ensimesmada, não vê sentido no falso silêncio da crisálida.

_ A porta está amarela !
Uma porta, fenestras, claridade...
Não é isso que vê aquela borboletinha de cachos dourados...
Ela surpreendeu o dia com sua visão multifacetada.
Sabe olhar com a imaginação;
Vislumbra o vôo sob o sol da manhã.

E quando chega a noite,
ela recosta-se em minhas cerdas
e sussurra manhosa:
_ Pai, meus olhos estão encharcados de sono ...

Pode dormir minha filha,
que à noite é das mariposas.
Quem sabe um dia você também perambule pela noite...
Afinal de contas,
borboletas e mariposas são irmanadas no olhar...