quarta-feira, 15 de junho de 2011

PENHOR

                       Para Gabriel, meu pai


Dezessete anos...
Essa distância
não se mede pelo quanto de terra
cobre teus restos,
teus sonhos...


Tua sombra não tem o gosto
que meu paladar deseja.
Não lambi o granito preto
de teu túmulo;
mas sinto o gosto de cera,
que não me satisfaz – pois não
é teu gosto.
Por isso não te visito.
Meus filhos não te visitam.
Se eu morresse hoje,
e decidisse pelas cinzas,
ficarias perdido na última
alameda, à esquerda da figueira.


Nem teu relógio de ouro me serve.
Fosse de couro a pulseira,
eu a lamberia,
e ficaria refestelado,
com o sal de teu suor.


Jorge Elias Neto

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Sonolento


Quisera eu poder contar-te tudo, lúdico luar...
É que pálpebras me pesam de mais um dia...
Mas bem sei que, entre amantes, basta um sutil entreolhar,
para retirar dos guardados a palavra fugidia.


Mesmo assim, me esquivo dos teus olhos, cândida Lua...
É que as verdades fogem mais fácil de um olhar cansado...
Sei, entretanto, que é inútil querer poupar-te do que
                                                         [se insinua.
Em cada gesto tenso de meus dedos crispados.

Queria deitar-me em teu colo, luar idílico.
Apagar de minha mente esses pensamentos nômades;
e num ressonar de anjo te dizer de meu medo.


Só que a bruta vida que me faz ridículo
fez-me preso a esse chão de homens distantes.
Parto... outra vez sem ti... para o sono...
                                         [com meus segredos...

Jorge Elias Neto
(Verdes versos - ed. Flor&cultura - 2007)

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Mesmas palavras

Muitas vezes, uma avaliação mais simplória, feita sobre a palavra, nos faz pensar ser impossível algo de novo – todas as palavras já foram ditas – salvo raros neologismos, por vezes até brilhantes. Posso assim desistir e encerrar por aqui este texto. Mas isso é um sofisma. Isso só seria verdade se considerássemos a palavra existindo sem o homem para nortear seus caminhos e sentidos.
Cada boca sabe de sua palavra. A palavra esta sujeita a toda a mecânica respiratória, ao vibrar das cordas vocais; ao segundo sentido do canto dos lábios. Todo invólucro humano se expressa através da palavra ofertada, da palavra jogada, da palavra beijada, da palavra interrompida ao meio (mas mesmo assim entendida), por conta de um arrependimento tardio.
Uma mesma palavra pode ter seu sentido alterado na dependência se proferida revestida pelo vermelho do entardecer do verão ou no calor entre dois olhos aferventados de ódio.
A palavra goza do paradoxo de ser atemporal e, ao mesmo tempo, ser sujeita às tempestades do instante. A palavra pode ser verdade, pode ser mentira; mas geralmente é revestida de sedução, podendo assim ser classificada como meia-verdade.
Já a palavra, quando escrita, fica a mercê da capacidade de quem a garimpa, de quem a transfigura em arte: a palavra bem escrita é a própria arte.
Pois bem, eu saúdo as palavras.
Palavras ... Razão pela qual venho degladiando com minhas limitações, tentando elaborar algo que realmente me faça sentido.

Jorge Elias Neto