quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Subversivo


Régua lisa e desdentada,
regra viva e libertina.
Mera pausa? Mesa farta?
Rega a seca vespertina.
Mal calçada, descoberta,
virulenta e cabotina,
contamina o poeta,
a emaranhada rima.
Guerra justa, proveitosa,
terra fraca, saturada,
passa faca, beija a amada,
desconserta a rotina.
Pois caminho de poeta
passa pela velha rima.



Obs: mais um sonolento

Jorge Elias Neto 

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Gabriel Menotti Gonring


Idolatria

Um pensamento atrevido e blasfemo em minha mente se refugia:
Que delicioso sacramento teu corpo não daria.

Conto de fadas

Entre utopia de fábula e realidade:
mero câmbio de passividade

Enquanto naquela
as dores de amor vingam
Nessa,
são vingadas.

Arquiteto de Elefantes

A poesia não salva vidas,
nem minha música te fará sorrir
ou dançar.

Mas, se não posso ser teu novo messias,
deixa-me pelo menos um papel de anticristo...


II. Profética Extática

Vogais são divindades: se exprimem
mas não se explicam

Ressoam em si mesmas, inteiras
Incompreensíveis
Presunçoso silogismo do ego

Consoantes são sofistas aleijados
que inúteis, se monásticos ateus

Mas entretanto,
se com iluminação ludibriados,
Multievangelizam deus


Retincênsias

Noite augusta
Noite

Eu cresço
De dentro pra fora

Bem-vinda aos quintos


1°livro – publicado aos 16 anos de idade

Gonring Gabriel Menotti - Ensaios para Taxidermia – edição do autor (Brasil/1999)

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Meu corpo


                                                                         Cumuruxatiba - Foto: Jorge ELias Neto



                                       Para Berredo de Menezes
Meu corpo
é essa areia
rarefeita
que parte
do deserto
e impregna
as pétalas.

Meu corpo
é um grifo nas dunas
que se desfazem
em Mundo.

Meu corpo
é a velhice de um tempo
desabençoado
pelo silêncio.

Meu corpo
é a textura vulgar
de um remendo
da insensatez.

Meu corpo
é pressentimento
de moeda
que dissolve o pecado.

Meu corpo
é bojo de névoa
ruminada no pasto.

Meu corpo
é a universalidade
de um nada carente
de sentido.

Meu corpo
exilado na descrença
                                jaz
no giral de ofertas
de um supermercado.


Jorge Elias Neto

domingo, 2 de setembro de 2012

O ritmo dos pássaros e dos fantasmas



 Uma ilha dentro da ilha. Poderia definir assim o local onde conversávamos, tranquilamente, sobre literatura. A constante discussão, entre os raros interessados, sobre a evolução – aí já se encontra embutida uma fonte de discordância excitante – que ocorreu na poesia brasileira nos últimos cem anos ... Bravos companheiros e fantasmas, nós, na ante-sala do auditório da Biblioteca Pública Estadual. Uma ilha dentro da ilha ...
Uma ilha, cujo centro – outrora presépio –, hoje, nos implora um resgate do abandono; cujos bairros sofrem um processo de verticalização que de tão absurdo já ouvi alguém dizer que é ecologicamente o mais correto.
 Fazer o quê, aqui ilhado, discutindo o poema enquanto lá fora se desfazem os tons poéticos e se constroem vitrines de automóveis.
E foi justamente um automóvel que interrompeu nosso entusiasmo e nos levou à varanda.
Deparamos com algo comum: um carro cujo motor enfurecido urrava para funcionar. No mais, tudo transcorria “tranquilo”: os pedestres passavam, as crianças jogavam futebol na quadra. Realmente nada de anormal acontecia.
 Mas um bando de anus brancos foi buscar repouso (era fim de tarde) nos galhos da aroeira, justo onde estacionara o carro.
Logo que os entusiasmados anus começaram a lançar seus piados costumeiros, os meninos interromperam a pelada, e o que estava mais perto da grade de proteção passou pelo buraco utilizado como acesso,  aproximou-se do pé da árvore e foi logo lançando um: − Cala boca p... (e o som se propagou como uma pedrada que calou imediatamente os anus e os poetas).
Um amigo me cutucou e mostrou uma pixação no muro da quadra: “ O ritmo mudou”.
Saímos da varanda rindo do que consideramos, naquele momento, um chiste.
Restou o ruído do carro para o bem dos ouvidos sensíveis de crianças que não aprenderam a apreciar a poesia.

Ilha de Vitória