Os cachos dourados das borboletas
Jorge Elias Neto
Como é
curto o tempo da inocência.
E ficará cada vez mais difícil sermos surpreendidos por uma
criança em um momento de lampejo poético, algo apenas possível aos que começam
a descobrir a linguagem. São tantas informações e imagens da mídia, que cada vez
mais precocemente o vocabulário da criança é enriquecido, e isso ocorre na
mesma velocidade em que se embota a espontaneidade – a inocência.
Subitamente uma criança diz algo, um simples comentário, tão inusitado e
simples. Mas são esses os pequenos cristais capazes de
revestir nossos dias com um pouco da beleza do infinito.
E não adianta pedir que
a criança repita, filme com o celular e coloque no Youtube ... Perde-se a espontaneidade, já não
está mais ali a imagem que fulgurou naquele cérebro tão jovem. Não, não é
possível capturar em um vídeo esses momentos, que só cabem no espaço destinado aos
sentimentos que nos aproximam do divino – o espaço da poesia.
Esse tipo de situação foi feita para ser passada como fizeram
nossos avós: de boca a boca mesmo.
É como o que o filho de uma amiga lhe disse, após ela receber alta
do CTI: “Mãe, que bom que você não morreu. Você é tão quentinha." Qual
poeta, me arrisco a dizer talvez um Manuel Bandeira, poderia ser tão perfeito
ao falar do amor de maneira tão singela?
Quando diz isso, a criança não está sendo espirituosa, não é um chiste. Ela está sendo autêntica e
descreve uma experiência
emocional. Isso é divinamente primitivo.
Foi o que
aprendi com minha filha quando acordamos em uma manhã ensolarada de domingo.
Ela acordou, coçou os olhinhos, olhou para a porta e disse: “A porta está
amarela !” Uma porta, fenestras, claridade...Não foi isso o que viu aquela
borboletinha de cachos dourados... Ela surpreendeu o dia com sua visão
multifacetada.
A
criança sabe olhar com a imaginação; vislumbra o voo sob o Sol da manhã.
E, quando
chegou a noite, ela recostou-se em mim e sussurrou manhosa: “ Pai, meus olhos
estão encharcados de sono ...”.
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