sexta-feira, 10 de maio de 2013

Gustavo Felicíssimo - Poemas


REGRESSANTE

 Deixei-me ser o que não se revela,
senão na intensidade da saudade.
Deixei-me ser o que nunca veio,
o que nunca se encontrou
e nunca esteve perdido.
Deixei-me ser o que não volta mais,
senão no tempo que se encontra
porque não se procura.
Deixei-me ser, uma vez mais,
a existência sobre a existência repousada.
E já que em mim o que não é não ousa,
deixei-me ser a voz consentida,
erguida do nada, e que regressa à vida.

CONFISSÃO

            A minha alegria é não possuir nada
                        Carlos Anísio Melhor
  
Trago de longe uma calça jeans,
uma camiseta desbotada
e esse velho chapéu que já não serve pra nada.
Trago também um olhar disforme
para as coisas do mundo,
mas não tenho a intenção de ser profundo.
Se meu canto perpassa o que sou
é porque abraço o que tenho e preciso:
o silvo de algum pássaro distante
e certas elegias sobrepondo-se ao tempo.
Por isso essa imagem desbotada,
essa espada na minha cabeça
apesar da claridade na janela.
A despeito do meu olhar extravagante
a minha alegria é não possuir nada.
Sou o espelho da minha ilusão.

CRÔNICA DOS MEUS 40 ANOS

 Que estou ficando velho,
foi o que disseram
alguns amigos
agora que cheguei
aos quarenta anos.
Isso foi ontem
e não me desanima.
Hoje fitei o sorriso
da minha filha
nos braços de minha mãe
e percebi
que a vida não é uma ilha.
Hoje aprendi
que o avesso da minha voz
são esses versos
singrados
por múltiplas caravelas.
Ouve,
deles
vaza
o que à vida falta.


Gustavo Felicíssimo é escritor diversas vezes premiado no Brasil e traduzido para diversos idiomas. É, também, editor da Mondrongo Livros. Tem publicado os livros: Diálogos: Panorama da nova poesia grapiúna, Silêncios, Outros Silêncios, Procura & Outros Poemas, Blues Para Marília. 

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