Foto: Julay
REGRESSO DE SOSÍGENES
Um barco ancora
no cais de Belmonte
trazendo um sobrevivente
do naufrágio de Caronte
um espectro observa
longamente
à sombra dos casarís
a igrejinha resignada
& o antigo chafariz
um vulto retorna
para rever a sua gente
traz na cabeça a aureola
do sol
nos olhos
pétalas de girassol
& o coração recontente
nem a hera sob a estrela
nem a treva que a trai
nem o acinte nem o açoite
só a brisa vê o bonsai
comungando com a foice
tudo era tão arrumado
como um buquê
de algodãodoce
terno - de PalhaçoVerde -
calça de nuvem ocre-azul
calçado bi colorido:
musgo - na pele
pérola - no bico
ascende pegadas de fogo
no horizonte amarelecido
& sob a camisa ornada de rendas
nem abotoaduras de ouro
nem os botões de madrepérola
mas
(
sob a camisa
de rendas
)
seus amores
& uma prenda
B A N Z O
Uns morrem de bronca
outros de azia
neurópida
arrelia ...
Meu avô Zeca morreu de banzo
bem ele dizia:
todo homem tem um limite
Zeca Moreira agora está quite
com a vida
(nosso tempo e suas diatribes)
orgulhoso morreu de banzo
cria mais honroso
que morrer de gripe
do homem centenário
áspero
rústico
ficou o camponês cuidador do gado
até com a idade foi ante perdulário
preferiu morrer aos noventa e seis
mas, bom temente, não marcou
horário
(como bem cria
julgou ser mais honroso
que uma broncopneumonia)
Vingou-se do tédio e humilhou a dor
zombou da angústia e da nostalgia
e com ele foi-se uma legião
de arcanjos
louvar-lhe a coragem e a rebeldia
Uns morrem de bronca
outros (quando o fígado
vira bife) de aleivosia
vaidoso
meu avô Zeca
morreu de Banzo
CRACK
Não havia mais
caminho
só
uma pedra
O F I C I N A
Aceito o ofício –
o exercício da liberdade
é o mais caro de todos os vícios
– a graça
como um padeiro oficia
o trigo que nos sacia
sigo o rito da li–
ber da de em exercício
o pão nosso de cada dia
Enquanto o universo conspira
enquanto o homem maquina
a palavra oficina:
despe-me da agnostia
& põe-me a conversar com Deus
no balcão do bar da esquina
que teima em ser padaria
Nem diário escrito
nem memória iconográfica:
escrito diário
festa esferográfica
desafio:
cio iconoclasta
incontrolável rio
que a tudo rui
inunda
anima
& arrasta
As margens que o oprimem
exalam em orifícios
do elo
contra a corrente
de frialdade
sublime
des atam
Assim abraço o ofício
o exercício da liberdade
o mais elevado de todos os vícios
a graça
Heitor Brasileiro Filho é natural de Jacobina, Bahia, nascido em Setembro de 1964. Radicado em Ilhéus desde 1994. Licenciado em Letras e pós-graduado em Estudos Comparados em Literaturas de Língua Portuguesa (UESC). Ensaísta, cronista e poeta com destacada participação em concursos literários. Possui poemas publicados na imprensa baiana e em Diálogos – Panorama da Nova Poesia Grapiúna
quarta-feira, 31 de março de 2010
Heitor Brasileiro Filho
Postado por Jorge Elias às 7:26 PM
Marcadores: Heitor Brasileiro Filho
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