sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Ensino básico


Recostado à tempestade
o menino fiava o tempo.

Um estrondo
fez esquecer as vozes
que atravessavam os arbustos

e o duende com suas figuras repetidas
pronto para parir o anti-cristo.

(Não é perversão,
mas o arame tem um toque tão suave
que desperta).


Defronte de casa,
a enxurrada enchia a taça dos desencantados.

O Mastro seco da sibipiruna
escondia suas flores
que boiavam sobre as nuvens baixas...

E com a torrente
chegavam pensamentos...

Ensinaram-no:
– A pretensão
de dispensar o molde
esfacela a possibilidade de êxito.

(Pancada à pancada
se amaciam os músculos).


– Os rabiscos nas carteiras
ficarão guardados
até que apodreça a madeira.
Depois...
Esquecerás o lápis no apontador.

...

- Não me esconderei no limite da palavra.
(e um grito rouco foi o batedor).

- Prevaleça perante
os olhos malditos
o descabimento dos meus gestos.



Jorge Elias Neto

5 comentários:

Dauri Batisti disse...

Difícil este hem?
Li duas vezes
com cuidado. Vou
ler a terceira...

Li

também só o que estava
entre parênteses, procurei

parênteses vozes... Bem,

talvez

seja esta
a proposição, ler

e encontrar insosso
sonso, tonto
as palavras, não uma possível, perdida

ponte. Não há

ponte, nem há
a ponta do fio.

Fico, aqui,
sem atravessar, mas
avistando o lado de lá
o horizonte por dentro
do vento,

os pulmões
como montanhas que ladeiam
o coração.

Um abraço

Alfredo Rangel disse...

Completamente envolvente. Traz o ácido da palavra, o contundente da mensagem, o corpo da poesia. E do poeta. Grato e honrado.

Rangel

Jorge Elias Neto disse...

Dauri,

Transformando em verso seu entendimento.


Tenho escrito alguns poemas nos quais incluo pensamentos entremeados.
Nesse caso uma criança recorda as "normas" impostas por um "disciplinador".
Falo da "poda" da imaginação. O sequestro da unicidade.

xxxxxxxxxxxxx


AC Rangel

Agradeço suas palavras e visita.

Um abraço,

Elton Pinheiro disse...

lembrança interessante, uma viagem por quase todas as escolas. os versos aparecentemente soltos talham o poema, ficam na madeira dele. lembrei do sacre-coeur

Jorge Elias Neto disse...

Elton,

É realmente um poema constituido com os fragmentos que constroem os pensamentos, percepções e recordações daquele menino.
Como disse abaixo, reflexões são também incluídas em itálico e entre parênteses.
Pelo menos foi esta a idéia.

Você foi aluno do Sacre-coeur?

Abraço,