segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Em tons de verde: os versos do poeta

Recebí esta resenha de meu livro "Verdes versos" da professora Shirlene Rohr de Souza•. Deixo aquí registrado para compartilhar com meus amigos.
Shirlene me informou que acaba de finalizar um ensaio sobre "Verdes versos" que será publicado em uma coletânea. Segue abaixo o texto.

Em tons de verde: os versos do poeta


Shirlene Rohr de Souza•



O homem vive eternos dilemas que oscilam entre suas vontades e necessidades particulares e as questões sociais que urgem à sua volta e exigem respostas rápidas, convincentes e politicamente corretas. No limiar de suas angústias, muita coisa pode soar estranha aos desejos mais íntimos da alma humana. Estas contradições que habitam o espírito do homem encontram expressão nos versos dos poetas que ora erguem o olhar para as questões mundanas e mais gerais, ora se inclinam para suas lembranças e desejos.
Em tempos cinzentos, em que a questão ambiental tornou-se premente, enquanto as celebridades discutem o destino do Planeta, fecham acordos (improváveis) unilaterais e estabelecem metas que visam limitar as agressões à natureza, as vozes inquietas dos poetas se lançam, mesmo sem convite, neste grande debate que inclui o destino do homem. O debate na esfera da poesia é menos prático, certamente, mas não menos intenso, não menos pulsante.
Em 1939, Paul Valéry, afirmava em uma conferência que “se encontrarmos profundidade em um poeta, essa profundidade parece ter uma natureza completamente diferente da de um filósofo ou de um sábio” . A crer no poeta e ensaísta, as questões que insistem nas temáticas dos poetas são paradoxais, é certo, mas também, e estranhamente, são uma só. Elas vertem de uma forma de pensar que não precisa levar em consideração as teses científicas e nem a lógica do pensamento filosófico. A poesia se manifesta pelas palavras dispostas em ordens singulares que atravessam o espírito do leitor, exigindo reflexão, não compreensão; os versos são a porta de entrada para um ambiente secreto, difuso, um lugar cujo conteúdo constitui-se de formas estranhas e inexatas do pensamento, isto que é tão humano.


O ver do verso, em verdes tons

Verdes Versos, de Jorge Elias, é uma obra que surge em um contexto complexo e conturbado, tempo em que o verde ─ “nada menos humano, menos carnal que o verde” ─ é o tom mais aclamado, pois de seu destino depende o futuro da vida. A obra reflete a realidade confusa e repleta dos paradoxos humanos: preocupações, lembranças, cotidiano, humor, amarguras, intimidades, comunhão, vida e morte.
Para dizer dos poemas que compõem os Verdes Versos, é preciso fazer uma leitura mais atenta da obra, em busca das cores, dos sons, dos gestos, dos lugares, das personas que transitam e interagem nas páginas do livro. O próprio título já remete o leitor para uma série de possibilidades de interpretação que ora pesam sobre a palavra “verdes”, ora pesam sobre a palavra “versos”. As múltiplas possibilidades de leitura já demonstram que o terreno em que se pisa é o terreno movediço da polissemia, tão cara ao discurso literário.
O livro ─ organizado em secções intituladas Versos Verdes (2000-2004), Viajante Lunar (2005), Vegetariano (2006) e Querença (2007) ─ traz gradações de tons esverdeados, em nuanças que atestam um amadurecer das palavras, da profusão à concisão, da sintaxe articulada ao jogo substancial de certas palavras, de certos versos. A tensão entre viver e morrer, lembrar e esquecer, razão e paixão, olhar e participar é uma marca muito singular no discurso do poeta. É preciso, pois, buscar nos poemas estas questões que percorrem o livro, desde onde o tom verde é mais fechado até o ponto em que começa a ganhar um matiz que se aproxima de um tom amarelado, momento em que o pensar o verso ganha mais em substância, palavra concentrada. Seguindo o critério do próprio poeta, pode-se fazer arriscados comentários sobre cada uma das partes que comportam os poemas.
Versos Verdes reúne catorze poemas, escritos no período compreendido entre 2000 e 2004. Entre temáticas que enfatizam reminiscências, passagem do tempo e morte, destaca-se a palavra ‘existência’, que atravessa os versos e impõe-se como uma nota melancólica, centrada, consciente do ‘fim absoluto’. Dos poemas reunidos nesta fase, “Olhares” sugere a atividade de alguém que lida com o limiar entre a vida e a morte: “tive de narrar, tantas vezes / a morte e a insolitude humana”. Em “Bípede” há a constatação do poeta de que os elementos minerais e animais se equacionam como matérias mundanas. “Guananira” é uma doce homenagem ao refúgio do poeta no Planeta, em que o verde corre risco de se acinzentar.
Os poemas de 2005 estão reunidos em Viajante Lunar. Nesta parte, destacam-se as recordações, o passado, a memória. Mais uma vez, a morte se insinua na linguagem do poeta. Os versos se encadeiam em ritmo compassado, brando, mas pujante, e misturam-se com as noites, com os silêncios, com o passado. “Kioto” é a inquietação clara com o destino do Planeta; revela a preocupação do poeta com a teimosia dos homens. Contudo, é preciso pôr em evidência o poema “Verdade”, cujos versos vibram, vigorosos: “Destilo nos meus poemas meu veneno / Envelheço, e o que há de bruto/ é o que reconheço de bom”.
O mais carnal dos poemas, “Tela”, encontra-se em Vegetariano, que reúne os poemas de 2006. Os versos trazem temáticas muito diversas, das quais, ainda outra vez, o tempo, o fim absoluto, o verde-cinzento do mundo se revelam com força nnas palavras do poeta. Mas há uma curiosa reincidência na temática dos nomes, “Seu Jorge” e “Nomear poemas” ─ “o nome antecede o verso” ─, poemas nos quais a volta ao passado significa a volta do poeta para dentro do túnel de seus gens.
Em Querença, que reúne o maior número de poemas, escritos em 2007, há temas em volúpia, vida e morte: mendigo, velhice, epitáfios, cenas do cotidiano, chuva, funeral do amigo suicida. Nestes prados, há o “Ofertório” ─ “certas bocas / não vestem bem as palavras” ─, ou ainda um novo olhar para a imortalidade: “a minha imortalidade / se encerrará com a minha morte”. Mas entre verdes psicografados, reflexões sobre a velhice e a razão que se esvai nos anos, há “Decreto” um manifesto em nome do ócio, bem-viver, um convite à fruição do que é cotidiano e banal.
Verdes Versos é a obra inaugural de Jorge Elias Neto, poeta que, agora, deixa suas palavras e suas questões para leitor. Como diz o próprio poeta em “Olhares”, “não me fiz para ser entendido, / pois minha substância transformou-se em letras”. Do poeta, então, o que se espera? Ele se adianta e adverte: “Para quem muito espera do poeta-homem, / vale o conselho: / atenha-se apenas aos seus versos”. É verde para ler.


• Professora da Universidade do Estado de Mato Grosso.
VALÉRY, Paul. Poesia e pensamento abstrato. In: ______. Variedades. Tradução de Maiza Martins de Siqueira. São Paulo: Iluminuras, 1991, p.201.
Poema Verdes Versos II, p.58.

2 comentários:

nydia bonetti disse...

babosa com seus espinhos
goiaba com seus bichinhos

gerânio pendente e eu
do verde tão dependente

Que bela resenha, para o que me parece um belo livro, Jorge. Parabéns, abraço.

Jorge Elias Neto disse...

Nídia,

É isso mesmo, reconhecer a nossa "gostosa" dependencia do verde.

Obrigado e forte abraço.