São João da Cruz
Viver organizando o diamante
(Intuindo sua face) e o escondendo.
Tratá-lo com ternura castigada.
Nem mesmo no deserto suspendê-lo.
Mas
Viver consumido da sua graça.
Obedecer a esse fogo frio
Que resolve em ponto rarefeito.
Viver: do seu silêncio se aprendendo
Não temer sua perda em noite obscura.
*
E, do próprio diamante já esquecido,
Morrer, do seu esqueleto esvaziado:
Para vir a ser tudo, é preciso ser nada.
O PADRE CEGO
Não abençoes a espada.
A morte lúcida não virá da espada do homem,
Antes virá da estocada de Deus.
Tu que consagras o pão e o vinho,
Por que abençoas a
espada?
Queres o regresso do rei Felipe:
É um esqueleto de mármore.
Não distingues próximo à tua casa
O rio subterrâneo que
marcha
Desde a Galícia à Andaluzia.
Não distingues o timbre áspero da greve.
És pai vigilante, ou assasino?
Não abençoes a espada.
Tempo espanhol
– Murilo Mendes – Rio de Janeiro: Record, 2001.
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