sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Tempo espanhol - Murilo Mendes


São João da Cruz

Viver organizando o diamante
(Intuindo sua face) e o escondendo.
Tratá-lo com ternura castigada.
Nem mesmo no deserto suspendê-lo.

Mas
Viver consumido da sua graça.
Obedecer a esse fogo frio
Que resolve em ponto rarefeito.
Viver: do seu silêncio se aprendendo
Não temer sua perda em noite obscura.

                        *

E, do próprio diamante já esquecido,
Morrer, do seu esqueleto esvaziado:
Para vir a ser tudo, é preciso ser nada.


O PADRE CEGO

Não abençoes a espada.
A morte lúcida não virá da espada do homem,
Antes virá da estocada de Deus.

Tu que consagras o pão e o vinho,
 Por que abençoas a espada?

Queres o regresso do rei Felipe:
É um esqueleto de mármore.

Não distingues próximo à tua casa
 O rio subterrâneo que marcha
Desde a Galícia à Andaluzia.
Não distingues o timbre áspero da greve.

És pai vigilante, ou assasino?
Não abençoes a espada.


Tempo espanhol – Murilo Mendes – Rio de Janeiro: Record, 2001.

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