sexta-feira, 9 de julho de 2010

RUY ESPINHEIRA FILHO


O QUE SOMOS


Críticos dizem do poeta:
Um lavrador da memória.

Sim, certamente é isto, pois
dos nossos comos e ondes

só sabemos quando, diante
de nós mesmos, recordamos

nosso enredo nas batalhas,
as bandeiras, as mortalhas,

as trevas, as claridades,
os olvidos, as saudades...

Aqui, o riso. Ali, a dor.
E o amor. E o desamor.

Mas sabe o poeta das sendas
da alma de névoas e lendas

que, em meio ao que de nós vemos,
pode contar outras glórias

vindas de acordes profundos
que tecem, na história, estórias

(quase sempre onde ficamos
melhor: no que fabulamos).

Enfim, o que todos somos
é só o que até hoje fomos,

ou que sonhamos que fomos
(e então sonhamos que somos...)

E assim vai singrando a vida,
rumo ao indesejado cais.

E vamos nós, nessa ida,
levando tudo o que somos:

as ficções da memória
e o que já não somos mais ...





OUTRO ANIVERSÁRIO



Sessenta e cinco navegações
completas
em torno do Sol.

Tudo vazio onde prometeram
fulgurantes legiões
de anjos.

Nenhum deus
a não ser a lembrança dos que morreram
na alma
nm a um
belos ou hediondos
durante a viagem.

Sessenta e cinco vezes
a volta ao Sol
e nenhuma revelação
nenhum sentido
nada

além do cultivo de uma sombra
cada vez mais longa
no ouro agonizante
da tarde.



ESPINHEIRA FILHO, Ruy. In: Sob o Céu de Samarcanda. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil Editora,2009.

Um comentário:

Hilton disse...

Um grande poeta!