quinta-feira, 22 de julho de 2010

Alvorada



Há dias em que não amanhecemos. Somos ejetados da cama pela lembrança de nossas obrigações. Em dias como esses, confesso perder o senso do ecologicamente correto; demoro-me vaporejando pensamentos debaixo de uma ducha quente.
A pouca luz natural que se esforça em me lembrar que já é dia, é absorvida pelo negro dos azulejos. Lâmpadas apagadas; dia apagado.
São seis horas da manhã _ minto para meu reflexo no espelho.
Rapidamente a névoa recobre o ambiente e embaça o vidro do box. Nesse momento, parece que meu ciclo respiratório só se faz por expirações.
Aprendi a aproveitar para desenhar figuras na transitoriedade do quadro que se apresenta a minha volta: escrevo meu nome, desenho um boneco de cara alegre, faço um circulo perfeito, com um movimento rápido e egocentrado _ artifícios terapêuticos.
Recosto-me na parede e fico deixando a água corrente lavar a minha superficialidade.
Quando já não é mais possível manter-me ali, sem que trinque o relógio, conto até cinqüenta, desligo o chuveiro, e faço amanhecer o dia.

Jorge Elias Neto

Um comentário:

nydia bonetti disse...

Tenho acordado assim... Apesar e além de nós, os dias amanhecem. Abraço.