Foto:Fernando Maués
De
Poemas de pó, poalha e poeira
(2009)
O que se adivinha tanto pelas mãos
1.
Poema não medra
em terrenos propícios.
Daninho, alastra-se
palavra afora,
ilegal, ilícito, liberto.
Poema não pede
licença, permissão:
dá-se, inunda, invade.
Silencioso, espalha-se,
versos às tontas, à toa,
gentil, receoso ou maltês.
2.
Não que o poema
seja tolo e tosco
a romper portas,
arrogante como o tempo.
Não.
Cheiro fresco de murta,
aragem, imiscui-se ele nas frestas
que o encantamento
franqueia, abre, permite.
(Sim)
Um poema adentra,
onde o encanto, fluido,
autoriza janelas e fendas.
3.
Onde suas mãos:
a esguia clareza.
Quando suas mãos:
as claras linhas.
Como suas mãos:
o alinho de seda.
Porque suas mãos:
o sedoso terreno.
Dado o encanto,
faz-se dele janela,
por onde, aos poucos,
medra o destemor
de dez poemas.
4.
Das mãos
(as minhas)
longe
e quietas
as suas.
Da vontade
(a minha)
distante
e calada
a sua.
Olho-as
(as suas,
as minhas),
e a hora
ancora
em porto
sem nome,
sem dono.
O mar
(ou a piscina)
sem viagem.
Uma passagem?
5.
Suas mãos,
sim, desenho
de lúcidas linhas.
Suas mãos,
tanto som
de seda, sim.
Suas mãos,
sim, augúrio
de tépidas manhãs.
Seu corpo,
sim...
6.
Não retiro
de suas mãos
os óculos.
Receio olhar
a clara linha
da nuca;
o rijo contorno
dos ombros,
a mata macia
do peito,
a ágil musculatura
das pernas,
o fino esculpir
dos pés.
Receio adivinhar
cheiro de líbanos
em sua terra tão alva.
Suas mãos:
continuo.
7.
O que fazer com os dedos
na sombra do improvável?
O que dizer às palavras
na contramão da prudência?
O que riscar nos encontros,
o que morder nos frutos,
o que deitar nos lençóis
guardados para suas mãos?
Dedos, palavras, figos:
o arrepio rodopia
pela ciranda de lembrar
as mãos,
lindas,
as suas.
8.
No oitavo poema,
sobre suas mãos,
os anéis.
De nuvem, de água,
de acácia, de novembro.
Um instante de anel:
peixe mínimo
em tanta água
tão aguardada.
Por um instante,
um anel.
9.
Penúltimo poema:
Já mil sílabas
para dez dedos
de suas mãos.
Botticelli lhe daria
formas nítidas,
em desenho de Líbano,
máscula planície.
Plebeu dou-lhe
as sílabas tontas,
adivinhando, em neblina,
o vinho de seus dedos.
10.
Tocar cada canto
de suas mãos,
buscando nêspera
ou dia de festa.
Cada canto
das linhas;
cada sumo
de nêspera;
cada hora
de festa
e contentar
de digitais e gestos,
ao menos,
o poema.
Paulo Roberto Sodré (Vitória/ES, 1962), é poeta: Interiores (1984), Lhecídio: gravuras de sherazade na penúltima noite (1989), Dos olhos, das mãos, dos dentes (1992), De Ulisses a Telêmacos (1998), Senhor Branco ou o indesejado das gentes (2006), Poemas de pó, poalha e poeira (2009), e ensaísta: Um trovador na berlinda: as cantigas de amigo de Nuno Fernandes Torneol (1998) e Cantigas de madre galego-portuguesas: estudo de xéneros das cantigas líricas (2008). Atua como professor de Literatura Portuguesa no Departamento de Línguas e Letras da Universidade Federal do Espírito Santo desde 1989. Vive em Vitória.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
Paulo Sodré
Postado por Jorge Elias às 3:55 PM
Marcadores: Paulo Sodré
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6 comentários:
O cara é bom, hein!
abres as janelas, e eu corro para fechá-las. devia saber - eu - que o aberto aberto está. que entre o jasmim onde o Líbano nos inaugurara.
Sódre mesmo... das planícies, platôs em espécime!
Belos poemas...
Que bonito! ... o encantmento franqueando frestas para o poema ...
Há que encantar-se!!
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