segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

José Augusto Carvalho


PRESENTE DE NATAL

José Augusto Carvalho




Quando eu soube que Jesus nasceu em março, antes de Cristo, e que o dia 25 de dezembro foi fixado pela Igreja no ano 525 para cristianizar festas pagãs em homenagem ao deus Mitra, adorado em Roma, apesar de persa, senti que o Natal havia perdido para mim grande parte do que ainda tem de divino. Senti-me enganado não mais na minha fé, que já a havia perdido, mas na minha devoção a um líder carismático que tinha a pureza de um Gandhi ou de uma Madre Teresa de Calcutá e a santidade de um Dalai-Lama ou de um Francisco Cândido Xavier
O Natal teria virado uma farsa, não fosse o milagre das crianças que acreditam em Papai Noel. São elas que ainda dão ao Natal o espírito cristão que falta na maioria das religiões que cultuam Cristo.
Mudou o Natal e mudei eu – respondo à pergunta do soneto de Machado de Assis. Mudamos todos, mas seria bom que o Natal, mesmo com sua origem pagã, não mudasse nunca, que fosse sempre um Natal para a criança que temos dentro de nós. As crianças não estão interessadas apenas nos brinquedos de Papai Noel. As crianças vivem a magia do Natal que ainda tem, sequer para elas, aquela aura de religiosidade, de esperança e de fé.
Quando visitava o campo de concentração de Auschwitz, o Papa Bento XVI perguntou onde estava Deus, que permitira tudo aquilo. Embora tal pergunta não devesse ser formulada por um líder cristão, ela procede: onde estava Deus que permitiu sagrar-se Papa um inquisidor que calou a voz de um intelectual e sacerdote como Leonardo Boff?
Diz a Bíblia (Gen. 2: 2-3) que Deus fez o mundo em seis dias e no sétimo descansou. Não sei se um Deus de verdade se cansa, mas, se a Bíblia diz a verdade, acho que é por ainda estar descansando que Deus não viu o holocausto, não viu eleger-se um Papa censor reacionário, não viu as guerras entre os homens, não viu o fim das torres gêmeas, não viu homens armados massacrarem jovens estudantes em escolas, não viu a invasão do Iraque pelo maior de todos os terroristas do mundo moderno, nem vê a violência crescente no nosso quotidiano...
Seria bom que o presente de Natal para todos os homens deste mundo fosse o fim do descanso de Deus...



Escritor, tradutor, jornalista e professor universitário, José Augusto Carvalho é mineiro de nascimento e capixaba por adoção.
Um dos principais lingüistas do Brasil.Bacharel e licenciado em Letras Neolatinas, também é mestre em Lingüística pela Unicamp e doutor em Letras pela USP. Atua principalmente como professor, mas traduz desde a década de 1970 textos do francês, inglês e italiano. Possui uma extensa obra publicada tendo também realizado traduções para as principais editoras do País.

Um comentário:

neuza pinheiro disse...

de fato, as crianças ainda mantém
o resto de magia que sobrou do Natal. Mas muito pouco. Aguardam seus brinquedos sofisticados pela tecnologia, os seus celulares, videogames...
E o Cristianismo, ao oferecer esse Deus injusto, ao oferecer o Paraíso como recompensa pelo sofrimento aqui na terra, ao acenar com a ressurreição, reduziu a nossa alma. Andamos à procura da salvação pelo espaço e esquecemos de nós cá dentro. Um texto forte, esse do emérito professor, um texto para se refletir