Jorge Elias,
Não consegui ler seus poemas sem, a todo momento, me lembrar
de Lorca:
Despiertaque los montes todavía no respiran
Ylas hierbas de mi corazón están en otro sitio.
Con la sombra en
la cintura
ella sueña en su
baranda,
Su voz deja cristales en la herida
y un gráfico de hueso en la ventana.
O absurdo se torna surreal.
Alguns exemplos seus:
Só sei transformar sapato em borboleta.
Sobre minha cabeça
chocam-se as nuvens.
No fim de semana
estendo o pano xadrezno céu de pólvora.
voltado para esse lindo céu,
reluzente de bombas
Como é fácil de constatar, você também é um grande poeta.
Como diz em Sonho no absurdo: "O poeta sabe a textura exata do
sonho." Daí que - se numa primeira leitura muitos de seus poemas não me
chegaram "prontos" - dois, pelo menos, me pareceram de imediata
beleza: Percurso infindo: "No primeiro segundo\não achei a chave, não
achei a porta". e
Cristo de pão. E um terceiro:
Emprenhar-se de miudezas;
deixando as mãos rendidas aos gestos costumeiros.E, quando a luz se aperceber, desmembrada
pelo estalo da palavra,
jogar-se nos trilhos
pra salvar a flor.
Seu "Cristo de pão" - com o pai (fictício ou não)
fazendo um crucifixo da massa de trigo - me lembra meu muito católico pai que
insistia, nas refeições, que representávamos ali, mais uma vez, a Ceia. E que
recolhêssemos qualquer migalha caida no chão com respeito, porque se tratava do
corpo divino. Quando perdi a fé, fiz - ao contrário de você - um esforço imenso
para me livrar do sentimento do absurdo, escrevendo um romance e uma peça de
teatro (que montei em 88) - A Verdadeira Estória de Jesus (Ática, 1979), e
voltei ao tema em outro romance, Relato de Prócula (A Girafa, 2010). Foi-lhe
igualmente difícil - é o que me parece à primeira vista - perder a fé - que
mais complica que explica - e isso você deixa explícito, quando diz
"Foi duro para mim \ ver Deus quebrar-se em minhas
mãos"
Seu pai:
Meu pai vestia uma pele
de sonhos amarrotados.
Desdizendo o que eu disse acima:do mesmo modo que vi mãos
humanas na elaboração da "Revelação Divina", você - lindamente -
escreve:
Depois que reparei
digitais nos dedos de Deus
Bebi a cachaça das encruzilhadas;
Roubei hóstias nas sacristias;o tridente do diabo
enfiei no rabo da mãe de santo.
W.J.Solha
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