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terça-feira, 27 de setembro de 2011

A NECESSIDADE DA POESIA - José Augusto Carvalho


Quem escreve – ainda que um simples bilhete – tenta afastar-se do falar cotidiano, tenta usar uma linguagem diferente da que está habituado a usar. E escrever poemas é distanciar-se ainda mais da fala do dia a dia. É trabalhar a língua, é subverter a sintaxe, é falar à alma. Por isso, as primeiras manifestações literárias de um povo costumam ser em versos. Quando não havia escrita, as histórias se contavam em poemas, porque as rimas ajudavam no processo de memorização e facilitavam a transmissão da cultura, de geração a geração. A perpetuação da ficção da comunidade ágrafa e da sua cultura – essa terá sido a primeira função da poesia.
Penso nisso agora, ao reler o artigo que (pasmem!), um poeta escreveu no caderno Mais!, de 26-01-97, na Folha de São Paulo. Refiro-me ao artigo “A necessidade atual da inútil poesia”, de Régis Bonvicino, em que ele diz, entre outras coisas:
“A poesia não tem, propriamente, uma função. Ela é inútil (...). Sua inutilidade atravessa regimes políticos diversos, bem como Economias (...). Talvez a poesia tenha uma função no quadro das artes e da cultura: a de ser manifestação inútil (“Teoria do inutensílio”, de Paulo Leminski), sem presença no dia a dia das pessoas, o que lhe confere liberdade e arbitrariedade. (...). A poesia está – hoje – dissociada da evolução das línguas. Não tem, assim, nem mesmo sua antiga função de estimular uma língua (sic!) – papel desempenhado pela televisão, pelo rádio, pelos jornais e um pouco pelo cinema. Há um esvaziamento da poesia neste final de século e de milênio.”
E por aí vai. A citação é longa, mas vale para mostrar que o primeiro grande equívoco do articulista foi confundir a poesia (o conteúdo) com o poema (a forma). A poesia existe em toda parte, em todo lugar, em todos os momentos. Compete ao poeta captá-la e transpô-la para o livro, ou para o filme, ou para a televisão, ou para a música, ou para a dança, ou para o rádio... O poeta é o que vê poesia onde o comum dos mortais não vê nada, além do trivial. Baudelaire viu-a no escatológico; Augusto dos Anjos, num escarro de sangue; Castro Alves, na ânsia de liberdade e de igualdade entre os homens. Gérard de Nerval viu na borboleta um traço de união entre a flor e o passarinho, e a borboleta ficou mais bonita para quem passou a ver nela isso também. Como seria a História do Brasil sem os poemas de Castro Alves, contra a escravidão? Como seria a História do Mundo sem os versos da “Chanson d’automne”, de Paulo Verlaine, que serviram de código para informar a resistência sobre a invasão aliada, na II Guerra Mundial? Ou sem os acordes iniciais da Quinta Sinfonia de Beethoven, que, casualmente, reproduzem a letra V de Vitória, segundo o código Morse (três notas breves e uma longa) e que, por isso, também serviram de aviso aos aliados?
O poeta vê o que nós não vemos, e revela-nos a beleza que existe no mundo que nos cerca, tornando-o melhor e mais habitável. Essa beleza escondida é a poesia revelada. Poesia é a visão bonita que Orestes Barbosa, na canção Chão de estrelas, nos transmite da lua que fura o telhado de zinco do barraco pobre e salpica de estrelas o chão que a morena pisa distraidamente. Poesia é a beleza que Vittorio de Sicca revela na cena final do seu filme Ladrões de bicicleta, ao mostrar o rosto endurecido da criança, subitamente transformada em adulto, a conduzir pela mão o pai desesperado e envergonhado por ter sido flagrado pela multidão quando roubava uma bicicleta para trabalhar. Poesia é o drama, mostrado pela televisão, em novembro de 1985, da menininha colombiana Omaira Sanchez, de apenas 13 anos, vítima da erupção do Nevado del Ruiz, ao morrer de hipotermia, soterrada num buraco cheio de lama e de pedras, acenando com esperança de vida para as câmeras que a focalizavam para o mundo inteiro.
A poesia é necessária, porque nos revela, como as lentes dos óculos de quem tem problemas visuais, um mundo de maravilhas que não saberíamos ver sem ela. Além disso, escrever poemas, vale dizer, tentar revelar a poesia do mundo aos outros, é uma forma também de terapia ocupacional, hoje adotada por psicólogos, por psiquiatras e por todos os que se dedicam aos ortopedismos da mente humana. E, posto que não tivesse função pragmática, a poesia seria necessária, porque não haveria sentido nenhum numa vida que se fechasse ao Belo.
Que me desculpe o pobre poeta articulista Régis Bonvicino, mas a poesia é tão importante e necessária que os homens se matam, a si e aos outros, quando não conseguem vê-la ou descobri-la.
Como eu.

José Augusto Carvalho: Escritor, tradutor, jornalista e professor universitário, José Augusto Carvalho é mineiro de nascimento e capixaba por adoção. Um dos principais lingüistas do Brasil.Bacharel e licenciado em Letras Neolatinas, também é mestre em Lingüística pela Unicamp e doutor em Letras pela USP. Atua principalmente como professor, mas traduz desde a década de 1970 textos do francês, inglês e italiano. Possui uma extensa obra publicada tendo também realizado traduções para as principais editoras do País.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

MANUAL DE PONTUAÇÃO - JOSÉ AUGUSTO CARVALHO

É impossível deixar de repetir: Habemus Cronopios!


Tamanho é o dinamismo deste Portal que tornou-se uma necessidade para os que pretendem manter-se atualizados à respeito do que de mais novo e fundamental vem sendo publicado nos Países de língua portuguesa. E eis mais uma novidade que só faz confirmar essa afirmativa, tantas vezes repetidas no Café Cronópios: A publicação, em 12 capítulos semanais, do Pequeno Manual de Pontuação em Português escrito pelo linguista José Augusto Carvalho.

Não vou me estender dizendo de minha amizade e admiração por este excepcional conhecedor de nossa língua. Deixo aqui o convite para que os leitores acessem o manual.
Boa leitura para todos!

Apresentação: http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=4970
Manual - parte 1: http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=4971

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A SANTÍSSIMA TRINDADE


A SANTÍSSIMA TRINDADE


                                                    José Augusto Carvalho

O cristianismo, em seu início, era bem diferente do catolicismo de hoje, em matéria de fé. Não se cogitava, nos primórdios da era cristã, da Santíssima Trindade, “mistério” que só mais de três séculos depois da morte de Cristo passou a fazer parte da religião católica.
Qual é a origem dessa crença?
Flavius Valerius Aurelius Claudius Constantinus, ou simplesmente, Constantino, o Grande, (nascido entre 280 e 288 e falecido em 337), às vésperas da batalha da ponte Mílvia, ocorrida em 28-X-312, teria visto no céu, de acordo com seu biógrafo Eusébio Pânfilo, uma cruz com dizeres em grego que a tradição manteve em latim: "In hoc signo vinces", isto é, "com este sinal vencerás". Constantino mandou pôr nos escudos de seus soldados essa frase, antes da batalha da Ponte Mílvia. De fato, Constantino venceu seu inimigo Maxêncio nessa batalha, mas foi só em 324, ao vencer Licínio, que Constantino se tornou senhor absoluto de todo o império romano, depois de ter garantido, pelo Edito de Milão (313), o cristianismo como religião oficial do Império. Vendo que Roma não era mais um bom lugar para sede do império romano, ele construiu no lugar em que se encontrava Bizâncio (hoje Istambul, na Turquia), a nova sede do governo, Constantinopla, a capital do império romano do Oriente, conhecido como "império bizantino". Foi durante o seu reinado que se construíram os primeiros monumentos cristãos, como a Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, a igreja de Santa Sofia, em Constantinopla, a basílica do Vaticano e a igreja dos Santos Apóstolos, em Roma, entre outros.
Em 325, no primeiro Concílio de Niceia, sob o papado de Silvestre I, Constantino condenou as ideias e os seguidores do egípcio Arius, sacerdote de Alexandria, fundador do arianismo, que negava a igualdade de natureza entre o Pai e o Filho e não reconhecia divindade em Jesus Cristo. Foi durante esse Concílio, em que se estabeleceram os dogmas principais do catolicismo, que houve uma discussão: Jesus seria apenas mais um profeta, como entendiam os Judeus, além de Arius, ou seria um Deus? Fausta, filha de Maximiano,
era casada com Constantino desde 307. Ela queria que Jesus fosse considerado Deus, apesar da relutância de Constantino. Mas ela lembrou-lhe o sinal que ele havia recebido e a vitória que ele acreditava ter sido o resultado de uma intervenção sobrenatural. Constantino concordou. Por votação, Cristo foi considerado Deus nesse primeiro Concílio de Niceia.
O Espírito Santo que era sugerido não como Deus, mas como manifestação de
Deus para justificar a virgindade de Maria, tornou-se dogma de fé e o terceiro Deus católico, no Concílio de Constantinopla, em 381 (sob o papado de Damaso I). Esse concílio voltou a condenar as ideias de Arius.
Acredito que Jesus Cristo tenha recusado, implicitamente, ser considerado Deus. Em Mt. 24:34-36, lê-se: “Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam.O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar.
Porém daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas unicamente meu Pai.” A onisciência é um atributo de Deus e, portanto, tem valor absoluto.
Ora, a onisciência é o saber absoluto sobre todas as coisas. Se o Filho não sabe algo que apenas o Pai sabe, então o Filho não é onisciente e, portanto, não é Deus.
Pensemos nisso.




( Texto publicado originalmente no Jornal A GAZETA em 06-08-10)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

José Augusto Carvalho


PRESENTE DE NATAL

José Augusto Carvalho




Quando eu soube que Jesus nasceu em março, antes de Cristo, e que o dia 25 de dezembro foi fixado pela Igreja no ano 525 para cristianizar festas pagãs em homenagem ao deus Mitra, adorado em Roma, apesar de persa, senti que o Natal havia perdido para mim grande parte do que ainda tem de divino. Senti-me enganado não mais na minha fé, que já a havia perdido, mas na minha devoção a um líder carismático que tinha a pureza de um Gandhi ou de uma Madre Teresa de Calcutá e a santidade de um Dalai-Lama ou de um Francisco Cândido Xavier
O Natal teria virado uma farsa, não fosse o milagre das crianças que acreditam em Papai Noel. São elas que ainda dão ao Natal o espírito cristão que falta na maioria das religiões que cultuam Cristo.
Mudou o Natal e mudei eu – respondo à pergunta do soneto de Machado de Assis. Mudamos todos, mas seria bom que o Natal, mesmo com sua origem pagã, não mudasse nunca, que fosse sempre um Natal para a criança que temos dentro de nós. As crianças não estão interessadas apenas nos brinquedos de Papai Noel. As crianças vivem a magia do Natal que ainda tem, sequer para elas, aquela aura de religiosidade, de esperança e de fé.
Quando visitava o campo de concentração de Auschwitz, o Papa Bento XVI perguntou onde estava Deus, que permitira tudo aquilo. Embora tal pergunta não devesse ser formulada por um líder cristão, ela procede: onde estava Deus que permitiu sagrar-se Papa um inquisidor que calou a voz de um intelectual e sacerdote como Leonardo Boff?
Diz a Bíblia (Gen. 2: 2-3) que Deus fez o mundo em seis dias e no sétimo descansou. Não sei se um Deus de verdade se cansa, mas, se a Bíblia diz a verdade, acho que é por ainda estar descansando que Deus não viu o holocausto, não viu eleger-se um Papa censor reacionário, não viu as guerras entre os homens, não viu o fim das torres gêmeas, não viu homens armados massacrarem jovens estudantes em escolas, não viu a invasão do Iraque pelo maior de todos os terroristas do mundo moderno, nem vê a violência crescente no nosso quotidiano...
Seria bom que o presente de Natal para todos os homens deste mundo fosse o fim do descanso de Deus...



Escritor, tradutor, jornalista e professor universitário, José Augusto Carvalho é mineiro de nascimento e capixaba por adoção.
Um dos principais lingüistas do Brasil.Bacharel e licenciado em Letras Neolatinas, também é mestre em Lingüística pela Unicamp e doutor em Letras pela USP. Atua principalmente como professor, mas traduz desde a década de 1970 textos do francês, inglês e italiano. Possui uma extensa obra publicada tendo também realizado traduções para as principais editoras do País.