REGRESSANTE
Deixei-me ser o que
não se revela,
senão na intensidade
da saudade.
Deixei-me ser o que
nunca veio,
o que nunca se
encontrou
e nunca esteve
perdido.
Deixei-me ser o que
não volta mais,
senão no tempo que se
encontra
porque não se procura.
Deixei-me ser, uma
vez mais,
a existência sobre a
existência repousada.
E já que em mim o que
não é não ousa,
deixei-me ser a voz
consentida,
erguida do nada, e
que regressa à vida.
CONFISSÃO
A minha alegria é não
possuir nada
Carlos Anísio Melhor
Trago de longe uma calça
jeans,
uma camiseta
desbotada
e esse velho chapéu
que já não serve pra nada.
Trago também um olhar
disforme
para as coisas do mundo,
mas não tenho a
intenção de ser profundo.
Se meu canto perpassa
o que sou
é porque abraço o que
tenho e preciso:
o silvo de algum
pássaro distante
e certas elegias
sobrepondo-se ao tempo.
Por isso essa imagem
desbotada,
essa espada na minha
cabeça
apesar da claridade na janela.
A despeito do meu
olhar extravagante
a minha alegria é não
possuir nada.
Sou o espelho da minha
ilusão.
CRÔNICA DOS MEUS 40 ANOS
Que estou ficando
velho,
foi o que disseram
alguns amigos
agora que cheguei
aos quarenta anos.
Isso foi ontem
e não me desanima.
Hoje fitei o sorriso
da minha filha
nos braços de minha
mãe
e percebi
que a vida não é uma
ilha.
Hoje aprendi
que o avesso da minha
voz
são esses versos
singrados
por múltiplas
caravelas.
Ouve,
deles
vaza
o que à vida falta.
Gustavo Felicíssimo é escritor diversas vezes premiado no Brasil
e traduzido para diversos idiomas. É, também, editor da Mondrongo Livros. Tem
publicado os livros: Diálogos: Panorama da nova poesia grapiúna, Silêncios,
Outros Silêncios, Procura & Outros Poemas, Blues Para Marília.
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