Carlos Alberto Shimote
Lutadores
O pão das estrelas me pareceu tenebroso e rijo no céu dos
homens, mas em suas mãos estreitas, li a luta dessas estrelas
convidando outras: emigrantes da ponte, sonhadoras ainda;
recolhi seu suor dourado, e por mim a terra parou de morrer.
René Char – Le Nu Perdu/1971
I – Um poeta de combate (cronologia 1907-1948)
Poeta, homem de letras, esteta, crítico e curador de artes, militante político, interlocutor de filósofos, amante da filosofia, pesquisador das linguagens visuais e verbais, interlocutor de pintores, amante e devoto da pintura, intelectual proteiforme e multifacetado. René Char é ainda um escritor quase desconhecido no Brasil: ele nasceu em 14 de junho de 1907, numa propriedade rural em Névons, Isle-sur-la-Sorgue, nos arredores de Avignon, na região da Provença, no sul da França. Poeta profundamente envolvido com a natureza da sua região natal, sobretudo com o rio Sorgue; referência importante em sua obra:
A conduta dos homens da minha infância tinha a aparência de um sorriso do céu dirigido à caridade terrestre; saudava-se o mal como se fosse uma rapaziada da noite. A passagem de um meteoro comovia. Apercebo-me de que a criança que fui, tão disposta a apaixonar-se como a ferir-se, teve muita sorte. Caminhei sobre o espelho de um rio cheio de anéis de cobra e danças de borboletas. Brinquei em pomares cuja velhice robusta dava frutos. Escondi-me nos juncais, guardados por criaturas fortes como carvalhose sensíveis como pássaros.
Este mundo asseado morreu sem deixar ossários. Ficaram apenas cepas calcinadas, superfícies errantes, pugilatos informes, e a água azul de um poço minúsculo guardado por aquele Amigo silencioso
A poesia de Char restringe-se, algumas vezes, à expressão mínima e às coisas mais banais da realidade, um átimo, um instante de luz, um clarão; iluminação repentina de uma beleza que se revela aos olhos do poeta em puro fulgor. A apreensão e percepção dessas coisas banais e quase ordinárias, transformadas ainda assim em poemas, aproxima Char de Hölderlin que, em seu romance Hipérion, declara justamente que “nada é tão pequeno e tão pouco que não se possa adadmirar”
Para Char, o poeta deve ser capaz de perceber o poético escondido na escuridão, mesmo porque para ele, o poético nada mais é do que uma iluminação, um instante de visão mágica em que a poesia se desvela e se mostra como uma eclosão luminosa. Para Char, compete ao poeta buscar no cotidiano a revelação da poesia, a qual surge para os espíritos menos cansados e mais vigilantes como uma espécie de epifania: o poeta – afirma ele num dos fragmentos de Partilha Formal – “deve manter o equilíbrio entre o mundo físico da vigília e o perigoso bem-estar do sono”, pois a “vitalidade do poeta não é a vitalidade do além mas um ponto diamantado atual de presenças transcendentes e de tempestades peregrinas.”
Être poète, c'est avoir de l'appétit pour um malaise dont la consommation, parmi les tourbillons de la totalité des choses existantes et pressenties, provoque, au moment de se clore, la felicité.
Ser poeta é ter o apetite de um mal-estar cuja consumação, entre os turbilhões da totalidade das coisas existentes e pressentidas, provoca, no momento da eclosão, a felicidade.
Para os interessados em ler mais sobre o poeta René Char basta acessar http://www.apropucsp.org.br/revista/rcc01_r12.htm
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