terça-feira, 27 de julho de 2010

Silvério Duque



LÚCIFER
SOBRE UM POEMA DE MIHAI EMINESCU


à Cristina Nicoleta Mănescu, por sua história.


Sobrou de toda mágoa – e destas ânsias –
este anjo cujos olhos renasciam
entre os vôos que, nas asas, se insurgiam
por entre os céus sem fim e sem distâncias.

Ele girou em torno de seu rosto
num estertor de infinito que o nutria,
e, na manhã reescrita que o seguia,
vi a rosácea inconsútil de um sol-posto.

O anjo, de asas de sombra e luz que medra,
deixou seu nome em tudo quanto existe,
por ser, entre as estrelas, a mais triste.

Tudo que o anjo quis, perdeu na queda...
O ardor pelo que morre e o rosto terno
de alguém que se cansou de amar o Eterno.

(do livro Ciranda de sombras - inédito)


SONETO

Que sabes tu dos frutos, das sementes,
da dureza das flores contra o vento?
A aurora vem tragar a noite espessa
de onde brotou, sem dores, o teu grito.

Se a afirmação do amor nos aborrece,
morrer é mera vocação dos vivos,
pois, no morrer de tudo, há um recomeço.
Não queiras mal ao tempo ou ao espanto;

não queiras mal ao grão, à terra escura...
Que sabes tu das trevas ou da carne?
Que sabes tu das noites, dos princípios?

Hoje, é chegado o tempo dos retornos
e toda forma espera o seu ofício
como o vaso existente em todo barro.

(do livro A pele de Esaú - 2010)



SONETO

E o que eu adoro em ti é a tua carne,
porque tudo o que é vivo se deseja;
assim, desejo em ti o meu tormento
que há-de crescer na proporção do tempo.

O que eu almejo em ti é a tua sombra,
pois toda boca habita as mesmas vozes
que hão-de tecer com gritos o teu nome
na tarde azul tragada pela noite.

Beijo o teu rosto como se existisse
algum lugar pr’além do Precipício,
e, junto ao gosto de teu lábio esquivo,

uma palavra, sobrescrita em sangue,
há-de adornar o verso em que eu me esqueço
e há-de extirpar, do amor, a fúria imensa.

(do livro A pele de Esaú - 2010)


SILVÉRIO DUQUE – Feira de Santana, Bahia, aos 31 de março de 1978. Sua primeira grande paixão foi a música, a qual exerce profissionalmente desde os seus 12 anos, participando, como clarinetista, das Bandas Filarmônicas 14 se Agosto e Maria Quitéria, na cidade de Tanquinho. Mais tarde, coordenará por certo tempo a escola de música da Sociedade Filarmônica Euterpe Feirense, em sua terra-natal. Após trabalhar como desenhista, restaurador e até mesmo como ajudante de mecânico descobre, bem antes de ingressar no Curso de Licenciatura em Letras Vernáculas da Universidade Estadual de Feira de Santana, seu mais verdadeiro ofício: o Magistério. Sua primeira obra publicada foi o opúsculo O crânio dos peixes (Edições MAC/2002), seguindo-se de Baladas e outros aportes de viagem (Edições Pirapuama/2006). Entre um livro e outro, participou de concursos literários, periódicos, bienais e vários projetos musicais e literários. Foi primeiro lugar, na categoria Poesia, da 3ª edição do concurso literário Bahia de Todas as Letras 2007/2008, realizado pelas editoras Via Litterarum e Editus/UESC, com patrocínio da Fundação Chagas. Seu trabalho também é encontrado nas antologias: II Prêmio Literário Canon de Poesia 2009 e Concurso Feirense de Poesia Godofredo Filho, como em vários sites de Literatura espalhados pela Internet A pele de Esaú (Ed. Via Literarum/ 2010) é o seu mais novo trabalho e, segundo as palavras do próprio autor, sua “obra mais madura, até então”. Seu próximo livro, Ciranda de sombras está no prelo.
Blog: http://poetasilverioduque.blogspot.com

Um comentário:

Hilton Deives Valeriano disse...

Belos sonetos de um grande poeta! Conheci um pouco da obra desse poeta através do Gustavo. Ainda preciso adquirir um livro de grande escritor. Parabéns!