Shirlene Rohr de Souza
Em um tempo tão desfavorável às atividades que exigem reflexão, a poesia parece ser uma entidade estranha, esdrúxula, lenta demais, pesada demais, talvez absurda. É nesta cena que Jorge Elias Neto lança Rascunhos do Absurdo, um livro que reúne poemas que desafiam a pressa, ou melhor, que desprezam a pressa. Rascunhos do Absurdo nasce das impressões de um cotidiano observado sem o frenesi do olhar coetâneo, viciado nas extravagâncias do mundo virtual e suas telas coloridas, tomadas por hipertextos sedutores como o canto das sereias.
Os poemas, divididos em quatro seções — “Livro de Notas”, “O estalo da palavra”, “Gaza” e “O encantamento do poeta Maratiba” —, formam, em tons cinzentos, um quadro abstrato no qual se revela a alma do poeta, desacreditada da lógica e ciente do absurdo da pretensa racionalidade e superioridade do homem.
Os temas que se erguem nos poemas de Jorge Elias Neto emergem do vão que se abre entre a vida e a morte. Eles tocam em feridas que a razão e a ciência tanto tentam declinar: a loucura, a dor, a morte, a angústia, a perda, a fome, a saudade. Mas no livro também há nesgas de cores mais vivas como o amor, o desejo sensual e o voo do pássaro.
É preciso dizer que os temas não se encapam de superficialidades: em Rascunhos do Absurdo, o poeta se envereda pelos caminhos dantes percorridos por filósofos e metafísicos. Todavia, seu percurso se define pelo traçado dos versos curtos, assentados em uma sintaxe segura e sólida que, paradoxalmente, trata do que há de mais insólito no viver. Sendo a palavra — absurda também — a matéria da poesia, as tentativas de expressar o indizível tornam os versos inquietos.
Nas letras dos versos de Rascunhos do Absurdo — salvo, talvez, nas fendas em que se lê paixão e sensualidade, rasgos de uma vida que insiste —, o espanto de alguém que descobre que a existência humana não tem sentido, verdade que se esconde atrás da esperança, sentimento que, como lembra Nietzsche, foi único mal que não conseguiu escapar da caixa de Pandora.
Na descrença, presente nos versos pesados, outro aceno nietzscheano: os ombros do poeta suportam o peso do mundo. Mas ele sabe que o absurdo, talvez, seja o traço que guarda aquilo que há de mais humano, demasiado humano, no homem, ainda que a ciência e a razão, em discursos admiravelmente lógicos, defendam o sentido da existência humana.
Em Rascunhos do Absurdo, o leitor — este que se distingue na massa indivíduos ávidos por imagens coloridas — poderá sentir as influências de Camus, Nietzsche, Borges e Dostoievski, entre outros pensadores que ousaram a confessar publicamente, em seus escritos, que naquilo em que a sociedade insana enxerga a lógica, o poeta e o filósofo enxergam o absurdo.
Shirlene Rohr de Souza é professora da Universidade do Estado de Mato Grosso.
terça-feira, 11 de maio de 2010
O ABSURDO EM VERSOS
Postado por Jorge Elias às 10:09 AM
Marcadores: Shirlene Rohr - ensaio
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2 comentários:
Oi, |Jorge!
Vi os comentários da Jacinta Dantas, do Florescer, e vim conferir. A apresentação do livro deixa água na boca. Será que eu o encontro aqui no Rio? Em que livrarias?
Um abraço e muito sucesso.
Prezada Dade Amorim.
Obrigado pelos comentários.
Infelizmente, após o término do convênio que o PORTAL CRONÓPIOS firmou com a MARTINS FONTES, fiquei sem opção de vendas em outros Estados.
A aquisição do livro só poderá ser feita via internet (email:jeliasneto@gmail.com) ou nas livrarias do Espirito Santo (à partir do próximo mês).
Caso mantenha o interesse no livro é só entrar em contato.
Forte abraço
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