sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Sonho no absurdo

Ilustração: Felipe Stefani

                                                 Não tirem do poeta a visão;
                                                 podem condená-lo à loucura
                                                do mergulho no poema sem fim.

I

O poeta sabe a textura exata do sonho.


E por perceber que os números são símbolos
que poderiam arrastar seu povo,
foi o primeiro a se equilibrar nos destroços.


Não azulava as dúvidas com preces
e entendia a sujeira como um vício da realidade.


Caminhando em silêncio,
observou que a ausência de espaço
não havia poupado nem mesmo as sombras.


Homens desencontrados
cruzaram o limite da incerteza
e bradavam:


– Não pedi esse conflito.
Mas, na dúvida,
deixo a arma engatilhada!


Nunca foi do poeta o primeiro momento...

II


Aos primeiros que o ouviram disse:
– Se abuso daqui à esquina de minha casa,
perco o controle do dia.


– A vida é ritual de pontes.
Vejo triste que, entre o dito e o pensado,
ficou uma ponte tombada.


– Hoje massacraram nossas verdades,
e enxergamos o abismo.


Choraram juntos a mais temida das mortes.


III


O poeta sente o absurdo do tempo humano.


O homem aquietará.
E juntos, todos os ponteiros
deixarão de ter sentido.


É do homem buscar refúgio nos dias.

IV

Nos escombros,
na esquina antes sem luz,
sentaram as crianças.


Diante delas
o poeta circundou com o dedo
seu corpo na areia.


Com um salto
surpreendeu-as com a facilidade
que superou o limite de sua prisão.


O poeta percebe o momento exato do nascimento do sonho.


Jorge Elias Neto
(Rascunhos do absurdo - 2010)

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