domingo, 15 de maio de 2011

Juan Ramón Jiménez

O papagaio


Estávamos brincando com Platero e com o papagaio, no horto do meu amigo, o médico francês, quando uma mulher jovem, desordenada e ansiosa, chegou descendo a ladeira. Até antes de chegar, lançando-me o negro olhar angustiado, havia me suplicado:
- Moço, o médico está?
Atrás dela vinham umas crianças maltrapilhas, que a todo instante, ofegantes, olhavam para o alto do caminho; no fim, vários homens que traziam um outro, lívido e caído. Era um caçador furtivo, desses que caçam veados no couto de DoÑana. A escopeta, uma absurda escopeta velha amarrada com tamiça, tinha disparado, e o caçador levara o tiro no braço.
Meu amigo se aproximou do ferido, com delicadeza, levantou os trapos miseráveis que o cobriam, limpou-lhe o sangue e foi lhe tocando ossos e músculos. De vez em quando, ele me dizia:
- Ce n´est rien...
Caia a tarde. De Huelva chegava um cheiro de maresia, de breu, de peixe... As laranjeiras arredondavam, sobre o fundo do poente cor-de-rosa, seus densos veludos de esmeralda. Em um lilás, lilás e verde, o papagaio, verde e vermelho, ia e vinha, perscrutando-nos com seus olhinhos redondos.
As lágrimas que brotavam do pobre caçador enchiam-se de sol; às vezes soltava um grito sufocado. E o papagaio:
- Ce n´est rien...
Meu amigo aplicava no ferido algodões e vendas ...
O pobre homem:
- Aaai!
E o papagaio, entre os lilás:
- Ce n´est rien... Ce n´est rien...


RAMÓN JIMÉNEZ, Juan. Platero e eu, 1° ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.

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