Para Sakineh Mohammadi-Ashtia
Quem não tiver pecados que atire a primeira pedra!
Pedra atirada.
No ar,
uma réstia
da caligrafia do bruto.
Apedreja-se com força.
Quem sabe assim
desencarnam as frustações!...
Reconheço o homem na pedra.
Cada pedra trás seu nome.
A figura de um deus incompleto,
incoerentemente arremessada,
invalida a palavra: Humanidade.
Mas aqui,
neste instante,
em conformidade com os dogmas,
corrompe-se a alma,
deforma-se o molde.
A estranheza de lapidar o corpo.
A ironia de deformar o nome
do delicado gesto do artesão.
Garganta seca de suplicas.
Olhos vazados por lascas.
O ventre fendido
Já não tem fome de amor.
Despedaçado,
jaz o corpo da criatura humana,
jaz a beleza.
Sob o lençol branco maculado
pelo sangue dos opressores,
desfeito,
o arco dos lábios.
A mais terna face desfigurada.
Deixaram-na de lado;
é impura.
Já não se presta mais a prazeres
a carne macerada.
Jorge Elias Neto
9 comentários:
Nenhuma religião importa quando se despreza o humano! Belo e trágico poema!
O poema é um confronto. A pedra provoca um estrondo antes de cair, tão logo é arremessada. Tua escrita é forte. Sigo com o olhar atônito o risco que a pedra faz. Lendo a caligrafia do bruto.
Abraços e parabéns pela qualidade da escrita.
Tania, obrigado por me sinalizar com o nome adequado para o poema.
Abraço
Caro Hilton,
você tem toda razão.
Abraço
Que belo poema, Jorge. Este tema também me toca profundamente. E o tom dos versos me fez lembrar dos "landays" recolhidos por Sayd Bahodine Majrouh, poeta afegão e traduzidos por Ana Hatherly. Vou deixar alguns aqui, que falam por si:
Ontem à noite estive com o meu amado
uma noite de amor que não se repetirá.
Dá-me a tua mão, amor, vamos para os campos
para nos amarmos ou cairmos juntos apunhalados.
Amanhã os famintos do meu amor serão satisfeitos
porque quero atravessar a aldeia com o rosto descoberto e os cabelos ao vento.
É a caligrafia da revolta, do desespero, da paixão e do ódio, que revela a condição feminina neste contexto. Angustiante.
um abraço, nydia.
Meu caro Jorge,
você apreendeu a mensagem com muita propriedade: "quem não tiver pecado..." a grande evolução humana para além de toda falácia, é quando Jesus Cristo faz os que vão apedrejar a adúltera se voltarem para dentro de si mesmos e refletirem sobre os seus atos. Valorização da vida humana, valorização da mulher e do homem - o começo de uma nova humanidade. Tem raízes nesse instante o sentimento de compaixão que lhe inspirou seu belo poema.
Um abraço.
Caro Poeta, quando a palavra se faz guardiã da civilização, vale a pena. Abraços, Pedro.
Saudades de vc.
Um abraço.
Jorge Elias, lindo seu poema... Gostaria de publicá-lo no blog do Eita! Encontro integradado de todas as artes, sarau que organizo aqui em São Paulo... www.eitasarau.wordpress.com Faça uma visita no blog, nos conheça e me diz se posso publicá-lo por lá... Foi um prazer encontrá-lo... Fui apresentada pela Nydia Bonetti
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