segunda-feira, 21 de outubro de 2013

SONHOS - Luiz Guilherme Santos Neves


                                                         Luiz Guilherme Santos Neves
        
- Sonhos são rios. Eu me afogo neles - ela disse, enquanto a tarde morria num mar de cobre.

         - Eu não sonho - disse ele. – Sou seco de sonhos.

         - Impossível! Você deve sonhar e não lembrar quando acorda. Até os animais sonham – replicou ela. - Eu tive uma cadelinha que gania quando sonhava. Chegava a dar pena ver a bichinha dormindo e sofrendo. Mas nem assim eu tinha coragem de acordá-la. 
        
         Ele pareceu não a ter ouvido, o olhar perdido no mar que entardecia. Estavam no deck de um restaurante, diante do oceano incrível e cúpreo, ela bebendo um refrigerante que puxava da garrafa por um canudinho, ele saboreando uma cerveja gelada em goles espaçados. 

         - Meus sonhos costumam ser estranhos – continuou ela. – Uma vez sonhei que eu não fui reconhecida por minha mãe.    
                  
         - Era mesmo sua mãe quem não a reconheceu? – perguntou ele.

         - Era. Eu me aproximei dela e disse ‘mãe’! Ela me olhou com um jeito estranho e fuzilou: ‘você não é a minha filha’. Ainda me lembro das suas palavras, secas e cortantes. Ela não disse que não tinha filha, nem que não estava me reconhecendo. Foi categórica. Me olhou e disse: ‘você não é a minha filha”.  Portanto, ela sabia que tinha uma filha, mas que esta filha não era eu, muito embora eu soubesse que ela era a minha mãe. Acordei chorando e repetindo, mãe, sou sua filha, sou sua filha! Foi assim que descobri que os  sonhos são rios em que a gente se afoga.

         - Já ouvi dizer que são nuvens... – disse ele, embocando outro gole de cerveja.

         Ela agora pareceu não ter ouvido.  Mas depois de alguns instantes, confirmou sua teimosia: - Para mim são rios. A gente fica muitas vezes com o corpo molhado, quando sonha. Comigo já aconteceu acordar com a pele úmida. Uma nuvem não faz isso. Os rios fazem!

          - Os sonhos bons também são rios? – perguntou ele.

         - Também. Eles causam uma sensação de prazer, e não de dor como os maus, mas quando a gente acorda, eles se foram como as águas de um rio que não podem ser retidas, nem retornadas, deixando apenas lembranças. 
          
         - Mas são lembranças boas, não é? – indagou ele com espuma de cerveja branqueando os fios do bigode.

         - São lembranças líquidas, entende o que eu tento dizer? Porque é assim que eu as sinto.

         - E os sonâmbulos, você acha que eles sonham que navegam enquanto andam?

         - Com os sonâmbulos eu acho que é diferente... Se eles sonham e andam, eles tornam seus sonhos possíveis, mecanicamente possíveis, ainda que momentâneos. Com eles os sonhos se processam fisicamente, pelo menos é o que eu penso. Então, para mim, os sonâmbulos são os próprios rios... Os rios dos sonhos deles, o que não é a mesma coisa que sonhar deitado, com o sonho-rio invadindo a nossa mente, como acontece com toda gente... menos com você, é claro.  Eu sei que é complicado explicar, mas ainda assim, no caso dos sonâmbulos, os sonhos continuam sendo rios, da forma como eu vejo a coisa, você me entende...?

          - Não é fácil entendê-la apesar do esforço da explicação. Lembre-se de que eu não sonho... A minha experiência em matéria de sonhos é uma lacuna triste – disse ele, pedindo outra cerveja ao garçom.

         - Então vamos supor – disse ela, querendo levá-lo à compreensão do que estava expondo. - Vamos supor que o que está se passando aqui, entre nós dois, fosse apenas um sonho, um sonho seu, ou nosso... Por favor, não ria.

- Sabemos que não é sonho... – disse ele, rindo. – Estamos aqui terminando o nosso encontro num restaurante, há umas poucas pessoas concretamente à nossa volta, a minha cerveja acabou e eu pedi outra, o seu canudinho já está dobrado dentro da garrafa, esta mesa em que estamos é dura e sólida – e bateu no tampo de madeira com o fundo do copo para confirmar suas palavras. – Ouça: dura como a realidade...
        
         - E o mar? Você não mencionou o mar... – ela desdenhou desafiadora.

         - Então ponha também o mar neste cenário...

         - No entanto, se você observar com atenção vai ver que o mar visto daqui onde nós estamos, neste apagar de tarde, parece absurdamente irreal, imobilizado e plano em sua cor afogueada... Não lhe parece esquisito?
        
         - Este pormenor tem para você algum sentido onírico? – ironizou ele.

- É apenas um acréscimo em favor da proposta que eu lhe fiz. Deixe de lado o seu espírito lógico, que o impede de sonhar, e admita, por um momento, um momento mínimo, que a realidade em que nós estamos não exista. Faça um esforço, um grande esforço, meu amigo. Feche os olhos se quiser e me responda: se você acordasse deste sonho imaginário o que você acha que teria ficado da realidade que nos envolve e que também somos eu e você?
         - A sensação de um rio que passou? – perguntou ele, sabendo que era a resposta que ela desejava ouvir.

         - Exatamente. A sensação de um rio que passou. A abstrata matéria dos sonhos ou a “imatéria” deles – disse ela convicta das suas metafísicas. – Nós, que aqui estamos, é como se fizéssemos parte das águas de um rio, o rio dos sonhos! Nada mais do que isto, percebe o que quero dizer?    

         Ele disse que sim para não a contrariar. E em silêncio ficaram contemplando o mar, em sua planura metálica, engolir a tarde numa bocada derradeira.
        




terça-feira, 15 de outubro de 2013

CONVITE


quarta-feira, 2 de outubro de 2013

FOTO - BPES - AUTORES CAPIXABAS


Reunião da Biblioteca Pública do Espirito Santo.
Da esquerda para direita: Jorge Elias Neto, Marcos Tavares (poeta e cronista), José Augusto Carvalho (linguista e cronista), Oscar Gama Filho (poeta), Reinaldo Santos Neves (Romancista), Pedro Nunes (contista, romancista e historiador) e Fernando Achiamé (historiador e poeta).