sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Pétala


A menina de beijo eriçado
lia rascunhos de coito,
sonhando pétalas.

A mocinha de peito afiado
fendia azulejos de quatro,
sonhando pétalas.

A mulher ao jeito do Diabo
sorvia desprezo no prato,
sonhando pétalas.

A anciã no leito, exilada,
morria sozinha no quarto.

Jorge Elias Neto

domingo, 16 de outubro de 2011

Marco Aqueiva

À BEIRA BEL
                                    

E uma onda com alguns destroços cai sobre mim.
Um toco de mastro envolto em fios de riquezas esmaecidas
                                                        e algas presumidas.
Ainda sóbria, bordada agora num casco de borco, uma insígnia.
Apagada para as grandes distâncias, não para as minhas pupilas,
valsa com as medusas a estrelinha-do-mar, sem pouso, decaída.
Com os búzios do fundo que me traz a navalha das marés,
os flancos fluidos da Beleza e a mão reflexa de um maestro.
Ouço teu torso nu e fotográfico agitar-se com as últimas notícias:
"A Carne Escassa dos Corais" e "A Morte Clínica dos Manguezais".


Cardumes de fatos chegam-te à boca descarnados e intemporais.
Teus olhos cheios de mares e sombras imergidas,
olhar pendente crescendo por entre as ondas pélvicas e dorsais.
Teus longos cabelos oscilando soltos e translúcidos sob a água.
Tua mão acenando para fora de teu palco prepara-me
um levantar das ondas em prodigiosas colunas.


Esta tua voz que, submersa, persigo ao nadar-me em angústia.
Estas tuas mãos que, adivinhadas, procuro ao avanço da tempestade.
E meus olhos em toda sua insuficiência atlânticos
em teus seios de maré grande, cheios, espumando !


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Mas um manto de ondas atira-me aos pés o corpo do Desejo
totalmente desfigurado, sem vida, regressando ...








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MARCO AQUEIVA, poeta, professor de literatura no ensino superior, autor de NESTE EMBRULHO DE NÓS (Scortecci, 2005), vencedor do III Prêmio Literário Livraria Asabeça – categoria Poesias, e de SÓIS, OUTONO, SOU? (Dulcineia Catadora, 2009), é colaborador de publicações impressas e na web.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Apocalipse verde


O mar afoga as colinas
onde até anteontem os passos
deixavam marcas de certezas.
Os três ou quatro versos
               que eu deixei
voltaram ao sal.
Já não restam vogais,
somente rastros
na rocha dos tempos.
Rezar não adianta;
na cruz – puleiro dos derradeiros papagaios –,
os musgos viçosos
                sobrevivem.
O VERBO partiu
e levou consigo
o pecado.
O mundo suspira aliviado
o retorno à solidão.

Jorge Elias Neto